O Estado de São Paulo, n. 46806, 11/12/2021. Política p.A10

 

Indicação para o TCU gera embate na base do governo no Congresso

Lauriberto Pompeu

 

A indicação dos próximos ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) colocou em lados opostos integrantes da base do governo de Jair Bolsonaro. O preenchimento da vaga que já está aberta tem provocado dura campanha de bastidor, com uma disputa acirrada entre os senadores Antonio Anastasia (PSD-MG), Kátia Abreu (Progressistas-TO) e Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), marcou para a semana que vem o chamado esforço concentrado, quando a Casa vai votar indicações pendentes, entre elas a do TCU. A sabatina é organizada pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e depois há votação em plenário. As duas etapas devem ocorrer na próxima terça-feira.

A última vez que uma cadeira para o TCU havia sido decidida sem acordo foi em 2008. A Câmara tem um prazo maior para que o acordo seja construído, pois a vaga que cabe aos deputados só será aberta em julho de 2022, quando a presidente do TCU, Ana Arraes, vai se aposentar. No Salão Verde do Congresso, dois aliados do presidente Bolsonaro já brigam pela cadeira.

O Republicanos é um dos principais interessados. O deputado Jhonatan de Jesus (Republicanos-rr) está em campanha há meses. A cúpula do partido, ligado à Igreja Universal do Reino de Deus, diz ter acordo com o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-al), para que esse espaço fique com a legenda.

O PL, por sua vez, quer que a deputada Soraya Santos (RJ) seja a nova ministra. No fim do mês passado, o presidente do partido, Valdemar Costa Neto, promoveu um churrasco com correligionários para fechar posição a favor de Soraya. Outros nomes, no entanto, também manifestaram interesse no cargo, como os dos deputados Hugo Leal (PSD-RJ) e Fábio Ramalho (MDB-MG).

RITO. Os integrantes do TCU são escolhidos de diferentes formas. Três vagas cabem ao Senado; três à Câmara, uma à Presidência da República, uma ao Ministério Público de Contas e uma aos auditores do tribunal. O cargo de ministro do tribunal é cobiçado por ser vitalício e ter grande influência sobre o mundo político. O TCU foi responsável, por exemplo, pelo parecer sobre as "pedaladas fiscais" que sustentaram o pedido de impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT).

O Palácio do Planalto tem, hoje, pouca interlocução com o TCU. Bolsonaro já procurou mais de uma vez reunir os ministros, para fazer uma aproximação, mas a tentativa só resultou em reuniões esvaziadas.

Embora a escolha da vez fique com o Senado, a vaga que será definida na próxima semana só foi aberta por ação do Planalto. Bolsonaro indicou Raimundo Carreiro para embaixador do Brasil em Portugal e o movimento antecipou uma aposentadoria que só ocorreria em 2023. Apesar de Kátia Abreu e Antonio Anastasia já terem criticado Bolsonaro, nenhum dos dois é considerado hostil ao Executivo. Já Bezerra Coelho é líder do governo no Senado.

 

INFLUÊNCIA. Dos nove ministros do TCU, Bolsonaro só influenciou até agora na escolha de um: Jorge Oliveira, ex-titular da Secretaria-geral da Presidência. A indicação de Oliveira também envolveu a antecipação da aposentadoria de um ministro, em 2020: José Múcio Monteiro, que era presidente do TCU e só deixaria o tribunal em 2023.

Na atual composição do TCU, os outros dois nomes simpáticos ao governo são Walton Alencar e Augusto Nardes. Se confirmadas as indicações dos aliados para as vagas do Senado e da Câmara, o presidente tentará virar o jogo e ter maioria, com até cinco dos nove ministros. Ao mesmo tempo, com a saída de Carreiro, a influência do MDB diminui. Restarão Vital do Rêgo e Bruno Dantas ligados à legenda. O PSB ficará sem representante com a aposentadoria de Ana Arraes.

O diretor da organização não governamental (ONG) Transparência Brasil, Manoel Galdino, criticou a atuação de Bolsonaro sobre o tribunal e apontou aparelhamento. "Isso compromete a independência do Tribunal de Contas, já que o preenchimento de quadros passa a ser do controle parcial do governo, e não apenas uma questão da passagem do tempo", afirmou. 

 

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Instituições de Estado viraram 'de governo', diz Barroso

 

Guilherme Pimenta

 

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou ontem que as instituições brasileiras de Estado "foram aparelhadas como de governo". Barroso, que também é presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), disse que o Brasil, assim como outros países, passou por uma onda populista, com "sustos" à democracia.

"Vivemos alguns momentos de preocupação ao longo de dois anos, com ataque às instituições, que reagiram, mas não acho que tenham escapado sem escoriações", afirmou Barroso em evento promovido pela Febraban e CNI. "Há instituições de Estado que foram aparelhadas como de governo, que é errado e ruim para a democracia", completou o ministro, sem citar o presidente Jair Bolsonaro.

Na noite de anteontem, Bolsonaro disse, em entrevista, que o ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, pré-candidato à Presidência, "não fez absolutamente nada para que o Coaf e a Receita não bisbilhotassem" a vida dele e a dos demais brasileiros. Após as declarações, Moro acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a análise da manifestação do presidente.

Barroso foi alvo de Bolsonaro durante todo este ano e chegou a ser chamado de "filho da puta" por ele. Nesta quinta-feira, Bolsonaro voltou a atacar o ministro Alexandre de Moraes, do STF, que recentemente abriu mais um inquérito para investigá-lo. Moraes presidirá o TSE durante as eleições de 2022.

 

VOTO IMPRESSO. Durante o evento, Barroso criticou o debate do voto impresso. Na sua avaliação, o Brasil passou o ano inteiro discutindo a "bobagem do voto impresso, que foi sepultado". "Voto no papel sempre propiciou ambiente de fraude e usurpação. Passamos o ano de 2021 inteiro defendendo o sistema que funciona, para impedir que fosse alterado para o sistema da fraude", disse o ministro.

O presidente do TSE defendeu, mais uma vez, a integridade das urnas eletrônicas e disse apostar que as eleições do próximo ano serão "lisas, limpas e seguras".