Valor Econômico, v. 20, n. 4880, 14/11/2019. Brasil, p. A12

Conferência de assinaturas pode tirar APB de eleições municipais

Andrea Jubé
Luísa Martins
Marcelo Ribeiro



A batalha judicial do presidente Jair Bolsonaro com o PSL e a burocrática conferência das assinaturas de apoiadores ameaçam retardar o processo de criação do Aliança pelo Brasil (APB), pelo qual ele quer lançar candidatos às eleições municipais de 2020. O PSL fiscalizará com lupa o eventual uso da máquina administrativa para interesses partidários de Bolsonaro, bem como a observância dos ritos legais.

Ontem, em nota oficial, o PSL mostrou que está pintado para a guerra. Advertiu que brigará na justiça pelos mandatos dos dissidentes e criticou o projeto partidário de Bolsonaro: “Projetos personalistas e familiares soam pouco republicanos em um momento em que se procura conferir transparência à vida pública e, sobretudo, política”.

No mesmo comunicado, o partido enumerou as propostas relevantes em que votou junto com o governo, como a reforma da Previdência. O PSL afirma, de forma velada, que não cederá a pressões do presidente da República. “Seguro de que cumpriu seu compromisso junto ao eleitorado, o partido não cederá a nenhum tipo de achaque ou desvirtuamento da legalidade ou da moralidade por quem quer que seja”.

No dia 27, o Conselho de Ética do partido se reúne e deve suspender Eduardo Bolsonaro (SP). Com a sanção, ele será automaticamente afastado da liderança da bancada. Outros 18 dissidentes também são alvos do colegiado, e estão sujeitos a penas de advertência, suspensão ou até mesmo expulsão.

Para estar apto a lançar candidatos no pleito municipal, o plenário do Tribunal Superior eleitoral (TSE) precisa aprovar o registro até o dia 5 de abril. Na linha de frente está o ex-ministro da Corte e advogado de Bolsonaro, Admar Gonzaga. Ao Valor, ele disse que vai repetir o “padrão de trabalho” utilizado na fundação do PSD em 2011, desta vez com a evolução tecnológica.

Admar auxiliou o ex-ministro Gilberto Kassab a fundar o PSD em cinco meses. Uma das estratégias em estudo para o APB é recolher assinaturas digitais, embora não haja regulamentação pelo TSE. A legislação obriga a coleta de 491,9 mil assinaturas em nove Estados. Os subscritores não podem ser filiados a outra legenda.

O advogado espera obter mais de 1 milhão de assinaturas devido ao engajamento dos apoiadores de Bolsonaro nas redes sociais. Mas o entrave estará na fase seguinte, - a etapa de conferência de cada assinatura.

A tarefa é dos cartórios eleitorais municipais que historicamente atuam com sobrecarga de trabalho. Há relatos de que os cartórios devolveram aos partidos em formação calhamaços de assinaturas, alegando insuficiência de servidores para a autenticação. Há 76 partidos aguardando a validação do TSE, conforme mostrou o Valor.

Contudo, Admar protesta que a “Justiça Eleitoral não pode criar entrave para a manifestação política do cidadão”. Para ele, a sociedade não pode “ficar sem a prestação de um serviço que repercuta em sua manifestação política”.

Entre integrantes da equipe jurídica do PSL, o entendimento é de que não há como impedir judicialmente a criação de um novo partido, mas eles ressalvam que o PSL estará de prontidão para contestar o processo de fundação do Aliança se os trâmites não obedecerem devidamente todos os ritos legais.

Juristas que acompanham de perto a luta entre Bolsonaro e o PSL afirmam reservadamente que o presidente começou mal o processo de criação do novo partido, abrindo caminho para eventual responsabilização pelo uso da máquina administrativa para interesses partidários.

Isso porque ele utilizou a estrutura do Palácio do Planalto para reunir deputados de sua base aliada e entusiasmá-los a migrar para a sua nova sigla. “Em época de campanha, isso seria proibido”, disse, em condição de anonimato, uma fonte do TSE.

A hipótese de irregularidade, segundo outros especialistas da área eleitoral, também pode estar presente se Bolsonaro articular com ministros - aqueles que ainda não são filiados a nenhuma sigla - a assinatura destes em apoio à inauguração do APB.

Por outro lado, outros profissionais desta área do direito veem a presidência da República como um cargo político por definição - o que eximiria Bolsonaro de qualquer implicação jurídica nesse sentido.

A jurisprudência é pacífica quanto à preservação dos mandatos quando deputados migram para um novo partido. Mas o entendimento predominante é de que não levam o fundo partidário para a nova legenda.

Nesse ponto, Admar ressalva que a prioridade de Bolsonaro nunca foi o fundo partidário. Mas questiona a razão pela qual a Justiça Eleitoral manteria os valores com dirigentes contestados judicialmente pela “malversação dos recursos públicos”.

Admar adiantou que o APB vai inovar na prestação das contas eleitorais, adotando o modelo idealizado por Bolsonaro. Segundo ele, haverá compliance desde o início e prestação de contas em tempo real. A suposta falta de transparência nas informações contábeis do PSL foi um dos motivos do racha interno.