Valor Econômico, v. 20, n. 4880, 14/11/2019. Brasil, p. A8

Dividido, Brics se cala sobre Venezuela

Vandson Lima
Marcelo Ribeiro
Mariana Ribeiro
Isadora Peron
Lu Aiko Otta
Daniel Rittner


Com opiniões conflitantes sobre as crises que se avolumaram recentemente na Bolívia e na Venezuela, os representantes dos países-membros do Brics - Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul -evitaram o tema no primeiro dia de encontro dos líderes do bloco, realizado ontem em Brasília.

O Brasil está isolado dentro do grupo no reconhecimento de Juan Guaidó como presidente venezuelano, ao qual Rússia e China, em especial, opõem-se frontalmente. A Rússia também tomou posição em favor de Evo Morales, ao contrário do governo brasileiro, que respaldou a senadora opositora Jeanine Añez, que se autodeclarou a nova presidente da Bolívia com as renúncias forçadas de Evo e seu vice após ação de militares.

Com o assunto proibido tacitamente, dominaram as falas dos chefes de Estado do Brics a necessidade de ação do bloco diante o cenário global complexo e o recrudescimento do protecionismo econômico. “Estamos de braços abertos para um comércio mais profundo e diversificado”, afirmou o presidente Jair Bolsonaro na cerimônia de encerramento. Em um gesto ao presidente chinês, Xi Jinping, Bolsonaro agradeceu o governo do país asiático por ter defendido a “soberania da Amazônia” brasileira. “É um gesto de grandeza que nos fortaleceu e muito. Sempre agradeceremos por essa oportunidade”, declarou.

De acordo com o presidente, o Brasil mudou e começou a abrir seu mercado para o mundo, com medidas concretas, o que está recuperando a confiança no país. “Empresários alimentam esperança no nosso governo e é preciso ajudar a melhorar o ambiente de negócios”, disse.

Xi Jinping, por sua vez, destacou o protecionismo econômico como um dos principais desafios atuais e afirmou que a China continuará a abrir a sua economia. “Queremos abrir a nossa economia, aumentar as exportações e as importações e criar um ambiente mais favorável aos negócios no nosso país”, disse, complementando que a perspectiva do país é de continuar crescendo nos próximos anos.

O protecionismo, avaliou, está ameaçando o comércio e o investimento internacional e isso está levando à desaceleração global. A parceria entre os países do Brics é importante para levar o desenvolvimento do grupo para um “patamar superior”. “Eu espero que todos nós, como pioneiros nesse campo, possamos trabalhar juntos e avançar ainda mais em áreas como inovação, economia digital e economia verde”, afirmou.

Presidente da Rússia, Vladimir Putin disse que seu país está disposto a aumentar a cooperação com integrantes do grupo em áreas como a farmacêutica, aeronáutica, nuclear e informática. “Queremos que os outros países [do Brics] olhem para nós nessas áreas para avançar conosco. A Rússia tem as mais modernas tecnologias de energia limpa. Queremos oferecer cooperação no setor nuclear.” Putin ressaltou a necessidade de fortalecer vínculos ante o cenário global complexo. “Situação da economia global continua complexa. Deve cair neste ano ao menor nível em dez anos. Temos visto crescimento de atitudes protecionistas. O Brics precisa não se abater por essas coisas.”

Putin lembrou que a Rússia assumirá a presidência do Brics no próximo ano e sediará a próxima reunião do fórum, em 2020. “Para a cúpula de São Petesburgo, teremos agenda exaustiva para cooperação econômica”, adiantou.

O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, defendeu que o bloco deve trabalhar com “metas mais ambiciosas”. “Facilitar a cooperação dentro do Brics melhorará nossos fluxos comerciais e de investimentos mútuos.”

O presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, defendeu o estreitamento de laços econômicos, disse que seu país tem pela frente previsão de crescimento populacional e de consumo exponenciais e, por isso, conta com parcerias junto aos integrantes do bloco.

“Até 2030, o consumo domiciliar na África está estimado a chegar em US$ 2,5 trilhões”, afirmou. “Isso oferece oportunidades aos países do Brics.” Ramaphosa afirmou que está renovando a política de vistos para que mais estrangeiros qualificados possam trabalhar na África.

Mais cedo, Kundapur Vaman Kamath, chefe do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) do Brics, afirmou que a perspectiva é que Brasil, Rússia e África do Sul sejam mais contemplados com financiamentos no futuro que China e Índia. “Nossa meta é fazer financiamentos equilibrados no futuro. China e Índia tinham projetos mais preparados por seus governos. Agora estamos considerando projetos do setor privado e temos mais projetos para financiar na Rússia, Brasil e África do Sul que nos outros”.

Nesse sentido, o Conselho Empresarial do Brics (Cebrics) recomendou aos presidentes que estimulem que o NBD financie mais projetos na área de energia. E que sejam contemplados, inclusive, projetos de integração energética com países fronteiriços aos membros do bloco. Além do Banco do Brics, há sugestões para: facilitar o comércio, ampliar financiamentos, intensificar a cooperação em oito áreas e a criar de uma estrutura jurídica e financeira que dê apoio a uma competição anual do Brics voltada ao desenvolvimento de competências. Medidas para facilitar o comércio são um tema prioritário dos empresários.

A sugestão é que os países reconheçam mutuamente os Operadores Econômicos Autorizados (OEA), empresas com bom histórico de conformidade com a regulamentação e que, por isso, conseguem liberação mais rápida de suas mercadorias. Outra proposta é a adoção de certificado fitossanitário eletrônico.