Valor Econômico, v. 20, n. 4880, 14/11/2019. Brasil, p. A6

Pela 1ª vez, metade dos alunos de universidade pública é negra

Bruno Villas Bôas 



O número de negros que conseguiram chegar à universidade no Brasil representa, pela primeira vez, mais da metade dos estudantes do ensino superior público. Segundo o IBGE, 1,1milhão de estudantes autodeclarados pretos e pardos cursavam instituições de ensino superior federais, estaduais e municipais em 2018, enquanto os brancos ocupavam 1,06 milhão de vagas.

A proporção de alunos pretos e pardos chegou a 50,3% dos estudantes do ensino superior público, ante 48,2% de brancos. A diferença de 1,5 ponto percentual era formada por alunos amarelos ou indígenas. Em 2016, primeiro ano da pesquisa com a atual metodologia, a proporção era de 49,5% de pretos ou pardos e 49% de brancos.

Segundo Luanda Botelho, analista do IBGE, a proporção superior a 50% foi atingida a partir da universalização do ensino fundamental, redução do abandono escolar e políticas afirmativas, como as cotas raciais e sociais. “Mais jovens também têm se declarado de cor preta ou parda nas pesquisas do IBGE, o que contribuiu para aumentar essa proporção.”

Sancionada em 2012, a Lei Federal de Cotas definiu que metade das matrículas nas universidades e institutos federais deveria atender a critérios de cotas raciais. A medida, sancionada por Dilma Rousseff, não atinge as instituições de ensino superior estaduais ou privadas. Universidades estaduais, contudo, têm adotado cotas raciais cada vez mais.

Estudante de direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), Ana Luiza, conhecida com Nalui Mahin, de 26 anos, acompanhou a aumento da presença de estudantes negros na universidade a partir de 2012, quando ingressou em seu primeiro curso de graduação na UFF. Declarada negra, Nalui diz que a universidade se transformou.

“A UFF virou outra universidade depois das cotas. Ela era muito enbraquecida, e ainda é, mas era ainda mais. Era mais difícil de ver a presença de uma estudante negro”, diz Nalui, que fundou o Coletivo de Estudantes Negrxs da UFF-Niterói. “Mesmo assim, ainda existe muito racismo. Poucos professores são negros, por exemplo.”

Embora represente agora mais da metade dos estudantes do ensino superior da rede pública, a população de cor preta ou parda permanece sub-representada nas universidades pública, uma vez que representa 55,8% da população brasileira. Nas redes de ensino superior privadas, essa presença era ainda menor, de 46,6% do total em 2018, segundo o levantamento do IBGE

Outros dados mostram trajetória favorável para a redução da desigualdade racional na educação. Por exemplo, o número de pessoas de cor preta ou parda com ensino médio completo passou de 37,3% em 2017 para 40,3% em 2018. A taxa de analfabetismo também melhorou, ainda que mais lentamente que o desejado: de 9,8% em 2016 para 9,1% em 2018 entre pessoas de 15 anos ou mais.

Apesar do avanço na educação, um grande conjunto de estatísticas divulgado ontem pelo IBGE mostra que a desigualdade racial ainda impera no país. Pessoas pretas ou pardas recebem, em relação aos brancos, piores salários, ocupam cargos mais baixos, são vítimas mais frequentes da violência e estão sub-representadas politicamente.

Segundo o pesquisador Cláudio Crespo, do IBGE, as disparidades sociais entre negros e brancos são reflexos dos 300 anos de escravidão no país. “O escravo foi libertado formalmente há 130 anos. O desenvolvimento econômico ao longo da história foi construído sobre uma estrutura social que está sendo mostrada pelos indicadores. Não são números soltos”, disse ele.

Segundo o IBGE, os trabalhadores de cor preta ou parda tinham rendimento médio mensal de R$ 1.608, valor 42,5% inferior (ou R$ 1.188 a menos) ao recebido pelos trabalhadores de cor branca (R$ 2.796). A desigualdade também está presente na função exercida: os trabalhadores pretos e parda ocupavam só 29,9% dos cargos gerenciais.