Valor Econômico, v. 20, n. 4879, 13/11/2019. Política, p. A8

Bolsonaro anuncia saída do PSL e criação da ‘Aliança pelo Brasil’

Fabio Murakawa
Matheus Schuch
Marcelo Ribeiro
Raphael Di Cunto


Após um mês de um acirrado embate interno, que rachou a bancada entre “bolsonaristas” e “bivaristas”, o presidente Jair Bolsonaro anunciou ontem a um grupo de deputados a decisão de deixar o PSL e fundar um partido, a “Aliança pelo Brasil”. A criação da sigla abre janela para a saída dos descontentes do PSL sem a perda do mandato, mas haverá disputa pelo fundo partidário e tempo de televisão.

A se concretizar o projeto, será a nona agremiação de Bolsonaro desde a primeira eleição a vereador do Rio de Janeiro nos anos 80. Na reunião realizada no Palácio do Planalto, Bolsonaro afirmou que o processo de coleta das 500 mil assinaturas exigidas para a criação da nova sigla está avançado: a meta é agilizar o registro na Justiça Eleitoral para participação de candidatos da nova legenda nas eleições municipais do ano que vem.

Para isso, as assinaturas têm de ser apresentadas até março e o processo tem de ter a tramitação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) concluída até abril. A legislação é pacífica quanto à manutenção do mandato em caso de migração para um novo partido. Mas não há garantia legal de que os “bolsonaristas” levarão junto as respectivas cotas no milionário fundo partidário do PSL, estimado em R$ 400 milhões até 2022, e o tempo de TV.

Os aliados de Bolsonaro minimizam a eventual perda desses recursos. “Não é determinante, se tiver que sair sem fundo [eleitoral] e sem tempo de TV, acredito que maioria vai sair”, disse o líder do governo na Câmara, Major Vítor Hugo (GO).

“Estamos indo com a certeza de que não teremos fundo eleitoral, partidário nem tempo de TV”, reforçou a deputada Carla Zambelli (SP). Outros presentes afirmam que não houve discussão sobre quem vai gerir o fundo partidário do futuro partido.

A primeira convenção do novo partido foi agendada para o dia 21 de novembro em um hotel em Brasília. Carla Zambelli acrescentou que na reunião não ficou claro se Bolsonaro será o futuro presidente da sigla, mas ela ponderou que “seria o mais óbvio, o mais correto”, até porque o novo partido agregará as pessoas “fiéis aos ideais” do presidente.

Pelo menos 31 dos 53 deputados do PSL participaram da reunião conforme a foto divulgada após o evento. Havia, entretanto, aliados de Bivar no grupo que ainda não definiram o futuro.

O número de “bolsonaristas” convictos é estimado em 19 deputados, a partir da lista de apoio que elegeu Eduardo Bolsonaro (SP) novo líder da bancada na Câmara. É o mesmo o número de deputados que decidiram obstruir as votações de interesse do governo até a votação da proposta de emenda constitucional (PEC) que permite a prisão em segunda instância. Bolsonaro e o filho, senador Flávio Bolsonaro (RJ), deixarão o partido antes: como titulares de cargos majoritários, podem mudar de legenda sem perda do mandato. Os deputados terão de aguardar no PSL a criação da nova legenda até março ou abril.

A saída de Bolsonaro já era aguardada pelo grupo do presidente do PSL, deputado Luciano Bivar (PE). Havia uma nota oficial redigida pela equipe de Bivar, mas o documento não foi divulgado porque o objetivo era responder a Bolsonaro. O presidente, entretanto, escalou os deputados aliados como porta-vozes da decisão.

Parlamentares que pretendem deixar o PSL ouvidos pelo Valor entendem que o recurso do fundo partidário proporcional a cada um deveria acompanhá-los. O entendimento de que a criação de uma nova sigla configuraria “justa causa” para impedir a perda de mandato e garantir a manutenção dos recursos.

A ala bolsonarista enfrentará uma árdua batalha judicial pela frente. A equipe de advogados do presidente do PSL, tendo à frente o ex-ministro do TSE Henrique Neves, atuará para acusar os dissidentes de violação ao estatuto, e desta forma, tentar manter o mandato e os recursos do fundo partidário do grupo com o PSL.

O embate prosseguirá nos tribunais com times de alto nível dos dois lados. Será uma disputa de dois ex-ministros do TSE: Henrique Neves pelo PSL e Admar Gonzaga representando Bolsonaro.

Juristas que acompanham de perto o imbróglio avaliam que Bolsonaro tem força política e tempo hábil para criar a nova legenda. Mas a iniciativa traria riscos e desafios: ele poderia ser responsabilizado por utilizar a máquina administrativa para interesses partidários - bastaria a articulação, por exemplo, com alguns de seus ministros que ainda não são filiados a nenhuma sigla.

Em média, a criação de um partido leva dois anos, mas o PSD, por exemplo, foi criado em menos de cinco meses, tendo o advogado Admar Gonzaga na dianteira do processo. Gonzaga agora está auxiliando Bolsonaro na empreitada.

O estopim para o racha interno foi a declaração de Bolsonaro a um apoiador, no dia 8 de outubro, para que esquecesse o PSL, porque

Luciano Bivar estaria “queimado pra caramba”. Foi a senha para uma sequência de escândalos que culminou na saída de Bolsonaro da sigla.

Nesse período, o grupo bolsonarista atuou para destituir o Delegado Waldir (PSL-GO) da liderança da bancada. Um áudio vazado tornou público um desabafo de Waldir, chamando Bolsonaro de “vagabundo”. A partir desse fato, houve uma guerra de listas de assinaturas até garantir, ao fim, a vitória de Eduardo.

Bolsonaro disse que entregará a presidência da sigla nos Estados para comandantes do Exército. Com o gesto, ele mantém a retórica que o ajudou a se eleger de negação da política tradicional. (Colaboraram Andrea Jubé e Luísa Martins)