Valor Econômico, v. 20, n. 4879, 13/11/2019. Política, p. A7

Alcolumbre propõe renúncia coletiva e Constituinte

Vandson Lima
Renan Truffi


Pressionado a se posicionar no debate sobre uma mudança na Constituição que permita a prisão em segunda instância, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) se saiu com uma proposta que vai contra o Poder Legislativo que ele próprio preside: renúncia coletiva e a convocação de uma nova Constituinte.

Mostrando-se contrário à discussão da prisão antes de esgotados os recursos neste momento, Alcolumbre argumentou que “se for essa a prioridade”, deveria se aproveitar o ensejo para refazer toda a Carta Magna. “A gente pode fazer uma nova Constituinte. Todo mundo renunciava aos mandatos. Estou disposto a fazer, se for para o bem do Brasil. Se for essa a prioridade...”, afirmou.

A repercussão negativa foi imediata. O dólar subiu, escalando a R$ 4,18 e o assunto saltou para o topo dos “trending topics” do Twitter. Consultada sobre a gravidade da fala, a assessoria de Alcolumbre imediatamente afirmou que ele estava sendo irônico.

Só que, horas depois, o senador voltou à baila e desmentiu sua própria equipe. “Não [falei com ironia]. Eu quero consultar os líderes. Vou consultar. De repente os líderes podem concordar, vai que dá certo”, afirmou.

Alcolumbre negou que tenha adotado esse discurso como manobra diversionista para escapar do debate sobre segunda instância. Senadores contrários à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que mudou o entendimento na semana passada, possibilitando a saída do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva da cadeia, ameaçavam obstruir as votações para pressionar Alcolumbre. “Se há novamente esse impasse, essas observações, quero trazer o debate dessa constituinte nesse momento importante da história nacional. Não é saída. Quero conversar com todos os atores do Parlamento, conversar não faz mal a ninguém", disse.

O presidente do Senado acrescentou ainda que, como há uma dúvida sobre se essa proposta atinge ou não uma cláusula pétrea da

Constituição, a tendência é que o assunto seja judicializado. “De fato, conversei com vários consultores e há uma divergência enorme e essa matéria pode, lá na frente, ser judicializada de novo e criar mais um impasse em relação à medida feita pelo Legislativo e acabar sendo questionado no Judiciário. Alguns falaram que não interferem outros falam que interferem. Mesmo mencionando outros artigos, eles se remetem ao artigo 5º da Constituição. Como o artigo 5º é cláusula pétrea, a gente continua no impasse”, apontou.

Além de impactos no mercado, a ideia do presidente pegou mal entre os pares. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), opôs-se à possibilidade. “Eu discordo desse assunto. O Brasil tem uma Constituição que é jovem ainda. Eu acho que não é o melhor caminho. Uma mudança constitucional pode ser instrumento de restrições de liberdade. Acho que temos uma Constituição que tem coisas boas, que tem coisas que podem ser modificadas e outras que precisam ser preservadas”, disse Maia a jornalistas. “Uma nova Constituição é uma sinalização ruim, vai gerar uma insegurança se esse assunto prosperar nos próximos dias. Mas respeito a posição do presidente Davi”, acrescentou.

Reservadamente, senadores ouvidos pelo Valor avaliaram que Alcolumbre, até o ano passado um senador do chamado “baixo clero”, ainda não se dá conta do impacto de suas palavras como chefe do parlamento, com reflexos imediatos na economia e nas instituições.

Além disso, a campanha em favor da PEC da segunda instância é um novo embate entre Alcolumbre e o grupo denominado “Muda Senado”. Formado majoritariamente por senadores de primeiro mandato e impulsionados por redes sociais, o coletivo foi decisivo na vitória de Alcolumbre a presidente, derrotando Renan Calheiros (MDB-AL) em fevereiro.

De lá para cá, no entanto, o presidente e o Muda Senado entraram em rota de colisão pela aproximação de Alcolumbre aos caciques do MDB - Calheiros entre eles - e sua oposição à instalação de uma CPI para investigar os tribunais superiores.