Valor Econômico, v. 20, n. 4879, 13/11/2019. Brasil, p. A6

PL de Serra pode ter efeito contrário e ampliar regime de partilha, diz ANP

Rodrigo Polito
Francisco Góes


O projeto de lei nº 3.178/2019, de autoria do senador José Serra (PSDB-SP), que propõe, entre outras coisas, a possibilidade de licitação de áreas sob o regime de concessão dentro do polígono do pré-sal pode surtir o efeito contrário ao defendido pelo mercado. Em vez de extinguir o regime de partilha, como querem especialistas, petroleiras e o próprio governo, o projeto pode acabar com o regime de concessão. O alerta foi feito ontem pelo diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Décio Oddone.

Hoje as áreas no polígono do pré-sal têm que ser licitadas pelo regime de partilha. O projeto de Serra possibilita que o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) decida qual é o melhor regime para cada área no polígono. O receio de Oddone é que o CNPE faça avaliação semelhante também para áreas fora do pré-sal. Assim, como a partilha gera ganho fiscal maior, a tendência é que o conselho opte preferencialmente pelo regime de partilha.

“Eu tenho uma preocupação enorme com isso. A gente começar com ótima intenção de acabar com a partilha e terminar acabando com a concessão. Porque, no imaginário coletivo, a partilha traz melhor resultado para a União. [...].  Na hora que o CNPE for discutir se vai colocar uma área sob concessão ou sob partilha, por que ele não colocará em partilha já que a carga [fiscal] para a União é melhor? Vamos correr o risco de ter uma discussão enorme e acabar licitando um número enorme de áreas em partilha”, disse Oddone no seminário “E agora, Brasil?”, promovido pelos jornais Valor e “O Globo”, com apoio sede da Confederação Nacional do Comércio (CNC), no Rio.

Oddone disse ainda que o projeto de lei pode resultar em aumento de burocracia uma que o CNPE terá que avaliar bloco por bloco, em todo o país, se é melhor licitá-lo sob partilha ou sob concessão. Em seguida, cada análise de cada bloco deverá passar pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

A complexidade regulatória do regime de partilha foi uma das razões apontadas por petrolíferas privadas para se ausentarem dos dois leilões realizados semana passada. Ontem, a nova presidente do Instituto Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (IBP), Clarissa Lins, defendeu a adoção de um regime único de concessão no Brasil. “As IOCs [sigla em inglês para companhias petroleiras privadas internacionais] não fizeram lances, demonstrando, portanto, que talvez seja melhor voltarmos para algo mais simples, que é o modelo de concessão.”

Uma saída proposta por Oddone seria definir o regime único de concessão e, para as áreas com potencial mais elevado de petróleo e gás, aplicar uma participação especial adicional, a ser repartida entre União, Estados e municípios. Segundo ele, essa modificação poderia ser feita no próprio PL de Serra. No megaleilão do excedente da cessão onerosa, na semana passada, apenas duas das quatro áreas ofertadas foram arrematadas. Em uma delas, o campo de Búzios, a Petrobras venceu com 90% de participação em um consórcio com as chinesas CNOOC e CNODC (5% para cada uma delas). A estatal brasileira arrematou sozinha outra área, Itapu. Na 6ª rodada da partilha, apenas uma área, Aram, foi contratada, pela Petrobras (80%), com a CNODC (20%).