O Globo, n. 32662, 09/01/2023. Política, p. 10

Casa Branca reage

Ana Rosa Alves


O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, afirmou ontem que as invasões do Congresso, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal (STF) por apoiadores radicais do ex presidente Jair Bolsonaro (PL) são “ultrajantes”. O comentário foi feito durante visita à fronteira com o México. Mais tarde, no Twitter da Casa Branca, escreveu: “Condeno o atentado à democracia e à transferência pacífica de poder no Brasil. As instituições democráticas brasileiras têm nosso apoio total e a vontade do povo brasileiro não deve ser minada. Estou ansioso para poder continuar a trabalhar com Lula”.

As depredações em Brasília têm paralelos claros com a invasão do Capitólio há quase exatos dois anos por apoiadores do então presidente Donald Trump. Até o momento, pelo menos 950 pessoas foram presas por participarem do maior teste enfrentado pela democracia americana em sua História recente.

Há diferenças entre os episódios: nos EUA, os crimes ocorreram apenas no Congresso, durante sessão conjunta da Câmara e do Senado que certificaria a vitória de Biden. A etapa derradeira antes da posse do presidente americano, contudo, deixou cinco mortos e 140 feridos. Ontem, não houve relatos de vítimas fatais em Brasília, e o Congresso está em recesso.

Horas antes da declaração de Biden, seu secretário de Estado, Anthony Blinken, afirmara que Washington “condena os ataques” e que “usar violência para atacar instituições democráticas é inaceitável”. E ainda que os americanos se “juntam a Lula ao pedir um fim imediato a essas ações”.

O conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan, por sua vez, afirmou que “nosso apoio às instituições democráticas do Brasil é inabalável". Em 2021, Sullivan se encontrou com Bolsonaro e ressaltou a confiança americana na lisura do processo eleitoral brasileiro.

Políticos da esquerda do Partido Democrata questionaram a permanência do ex-presidente Bolsonaro no país. O deputado texano Joaquin Castro tuitou que “Bolsonaro não deve receber refúgio na Flórida, onde está se escondendo da responsabilização por seus crimes”. Sua colega de Nova York, Alexandria Ocasio-Cortez escreveu que “os EUA devem parar de dar refúgio a Bolsonaro.”

Há dois anos, em Washington, as turbas foram insufladas por Trump, que travava uma cruzada para reverter a derrota após Biden receber 7 milhões de eleitores a mais e 74 mais votos no Colégio Eleitoral. O republicano até hoje levanta dúvidas sobre o resultado, apesar da enxurrada de derrotas judiciais. Tal qual Bolsonaro, ele também não compareceu à transferência de poder para o sucessor.

Em 6 de janeiro de 2021, após um comício nos arredores da Casa Branca em que Trump instou seus apoiadores a “lutarem com vontade”, turbas marcharam em direção ao Capitólio. O contingente policial despachado para contê-los não era inicialmente suficiente, similar ao ocorrido no Brasil, e o grupo acabou conseguindo entrar no prédio.

A investigação começou de imediato, a partir de imagens e gravações, com a abertura de canais para que a população pudesse ajudar o FBI. Centenas de celulares foram apreendidos e milhares de testemunhas interrogadas. Há três brasileiros processados, por acusações como conduta desordeira e desordem civil. Os investigadores ainda procuram mais de 250 pessoas que agrediram policiais, além do suspeito de ter plantado uma bomba caseira que não explodiu perto da sede do Congresso um dia antes da invasão.

Sentenças duras

O secretário de Justiça dos EUA, Merrick Garland, informou na semana passada que mais de 350 pessoas já foram condenadas por acusações variadas e 192 receberam sentenças de prisão. E a recompensa para quem fornecer informações sobre quem plantou a bomba foi aumentada de US$ 100 mil para US$ 500 mil (R$ 2,7 milhões).

Embora grande parte dos presos até o momento tenha enfrentado acusações menores de contravenção, que incluem invasão de prédio federal de ingresso restrito, 18 foram processados por crimes mais graves, como conspiração sediciosa, com pena máxima de 20 anos de prisão. Entre eles, o líder da milícia de extrema direita Stewart Rhodes e sua subordinada Kelly Meggs, que dirigia o braço da organização na Flórida. Também foram acusados o ex-líder do grupo de extrema direita Proud Boys, Enrique Tarrio, e outros quatro milicianos.

Os episódios foram investigados por comissão da Câmara. Em dezembro, o relatório final concluiu que Trump conspirou para anular os resultados das eleições de 2020 e não agiu para impedir que seus partidários atacassem o Capitólio. A comissão recomendou que Trump seja processado por crimes de insurreição, obstrução de procedimentos oficiais, conspiração para promover fraude e declarações falsas. E que o Congresso impeça que Trump e seus aliados possam ocupar cargos políticos no futuro.