O Globo, n. 32661, 08/01/2023. Política, p. 4

Paridade distante

Bianca Gomes
Eduardo Graça
Luisa Marzullo


Destaque na posse de Luiz Inácio Lula da Silva, a celebração da diversidade ainda é mais forte em sua faceta simbólica do que na distribuição efetiva dos cargos país afora. Levantamento do GLOBO mostra que nos estados houve avanços na comparação com gestões passadas, assim como no governo federal, mas a paridade de gênero é uma realidade distante. O número de mulheres à frente de secretarias estaduais aumentou em 15 unidades da federação, mas em apenas uma delas, Alagoas, há uma divisão igualitária nos postos de liderança — a população feminina é maioria no Brasil, segundo o IBGE. No Ministério que tomou posse, há 11 mulheres, em um total de 37 pastas, o equivalente a 30%. O retrato é semelhante à média estadual, em que elas estão em 27,1% dos postos de comando (160 de 590 secretarias).

O aumento é de 35,6% frente aos mandatos anteriores. Alagoas é o único estado em que metade das secretarias passa a ser comandada por mulheres, promessa de campanha de Paulo Dantas (MDB). Na gestão passada, 47,6% do secretariado era feminino. Entre os que mais se aproximam do equilíbrio estão Ceará (46,8%), Maranhão (44%) e Rio Grande do Norte (33,3%). Dois deles (PE e RN) são governados por mulheres. Os primeiros escalões mais desiguais são os do Paraná (4,4%), Tocantins (5,9%), Pará (12,5%) e Acre (13,3%). Três deles têm governadores que apoiaram Jair Bolsonaro (PL) na eleição de 2022. No Pará, o governador reeleito Helder Barbalho (MDB), fez campanha para Lula.

Nameações de “nicho”

Rio e São Paulo não aparecem entre os destaques positivos — respectivamente, com 19% e 20% de secretárias. Os governadores Cláudio Castro (PL) e Tarcísio de Freitas (Republicanos) também nomearam mulheres declaradamente antifeministas. Sonaira Fernandes, secretária da Mulher em São Paulo, por exemplo, escreveu em dezembro, em uma rede social, após ser indicada para o cargo, que “o movimento que busca a paridade entre homens e mulheres é o grande genocida da atualidade”.

— Este aumento é concentrado nos estados do Nordeste, governados por siglas como PT, PSD, PSDB e Solidariedade, com maior permeabilidade para a pauta da não discriminação. O avanço também pode ser explicado pela visibilidade dada ao tema na corrida presidencial — analisa a pesquisadora da FGV Lígia Fabris, especializada em gênero. O levantamento do GLOBO também mostra que as mulheres são prioritariamente convidadas para o comando de pastas sociais — como Direitos Humanos, secretarias da Mulher e da Igualdade Racial — ou com orçamentos menos polpudos.

— As poucas indicadas ficam restritas a determinadas pautas, com seus talentos estimulados para agendas sociais e de cuidados, excluídas de temas como economia, infraestrutura ou segurança pública. E isso revela muito como a política está estruturada — conta Michelle Ferreti, diretora do Instituto Alziras. Mas mesmo esse “nicho” não é garantido. No Acre, por exemplo, um homem foi escolhido para chefiar a Secretaria da Assistência Social, da Mulher e dos Direitos Humanos. Sarah Andreozzi, de 38 anos, em Sergipe, é uma das duas secretárias estaduais escolhidas para o comando da Fazenda. O número dobrou: antes das eleições, apenas uma estava à frente da pasta, no Ceará. Mestre em Gestão Pública pela Universidade de Brasília, Andreozzi é técnica em finanças e iniciou a carreira no Tesouro, onde sua mentora foi justamente Priscilla Santana, nova secretária da Fazenda do Rio Grande do Sul.

— Tenho uma filha de 5 anos, e minha rede de apoio ficou em Brasília, mas quando chegou a oportunidade tive que aceitar o desafio, inclusive pelas outras mulheres —diz Andreozzi. O GLOBO pediu que 26 estados e o Distrito Federal detalhassem o perfil de suas secretarias. Amazonas, Acre, Amapá, Ceará, Distrito Federal, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Rondônia, Roraima e Tocantins não responderam por completo até o fechamento desta edição. No caso do Pará, que não forneceu informações que permitissem mapear a composição por gênero, a reportagem considerou a relação de secretarias até o Diário Oficial de anteontem, quando houve duas mudanças no primeiro escalão.

Em Goiás, a composição do governo está parada em função do estado de saúde do governador Ronaldo Caiado, que segue internado. Ao serem questionados sobre o número de negros, indígenas ou pessoas LGBTQIAP+, boa parte dos governos justificou a ausência de dados por estes serem “informação de caráter pessoal” ou“auto declaratória ”. — É um modo de sair pela tangente. Os gestores devem legitimar a presença de negros em suas equipes olhando para as suas características e não (apenas) pela autodeclaração, que é importante para o país, mas passível de fraude — aponta Gabriela Cruz, presidente do Tucanafro.

Poucos negros

Os dados mostram que a presença de negros nos primeiros escalões dos governos estaduais é mínima. A Bahia, onde uma em cada cinco pessoas se declara preta, de acordo com o IBGE, é o único onde mais da metade do secretariado é preto ou pardo. No governo federal, dez ministros se autodeclaram pretos ou pardos, enquanto dois indígenas fazem parte do primeiro escalão — além de Sônia Guajajara, à frente da pasta dedicada ao assunto, Wellington Dias se declara de tal forma.

No Espírito Santo, há um indígena. Em Minas, o secretário de Cultura, Leônidas de Oliveira,égay. NoRioGrande do Sul, onde o governador levou seu namorado para a posse, a assessoria do governo informa não divulgar dados pessoais de secretários. Não contemplados nos bancos de dados dos governos estaduais, secretários indígenas ou da comunidade LGBTQIAP+ muitas vezes acabam excluídos da gestão pública.

— A escolha de secretários que representem a pluralidade da sociedade é fundamental para se ter políticas públicas mais qualificadas e combater desigualdades, cruciais para grupos cujos direitos não estão na pauta dos legislativos — diz o professor de Direito da Unifesp Renan Quinalha. Só Espírito Santo, Maranhão e São Paulo informaram contar com secretários deficientes físicos. Na primeira resposta, o governo paulista não citou a presença de Marcos da Costa, secretário da Pessoa com Deficiência, que teve uma perna amputada após um acidente de carro. Em um novo contato, após O GLOBO citar a presença do secretário, a informação foi corrigida.