O Estado de São Paulo, n. 46801, 06/12/2021. Espaço Aberto p.A6

 

Dia Internacional de Combate à Corrupção

 

Roberto Livianu

Era comum até o século passado, em países como França e Alemanha, a oferta naturalizada de propina no mundo dos negócios. Chegava-se a permitir o abatimento dela no imposto de renda, segundo o Código Tributário francês. O turning point acontece em 1997, com a Convenção da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Mundo unido contra a corrupção. Em 9/12/2003 celebrou-se a Convenção da ONU, o mais importante documento já elaborado, comprometendo as nações a partir do que se consagra a data para o combate à corrupção, que comemoraremos na próxima quinta-feira.

Nestes 18 anos, observamos notável evolução de Cingapura e da Coreia do Sul, por exemplo, no enfrentamento da corrupção. E também observamos que países como Nova Zelândia, Dinamarca e Suécia mantiveram ótimo desempenho, ao passo que a Coreia do Norte e o Sudão do Sul tiveram péssimos resultados. O Brasil experimentou declínio significativo, apesar de ter a 12.ª economia global.

A Coreia do Sul investiu maciçamente em educação e se destacou no enfrentamento da crise da pandemia pelo uso maciço da tecnologia voltada para a testagem em massa da população. Tecnologia aliada à transparência. Chamou a atenção do mundo ao receber, com total mérito, o Oscar de melhor filme e melhor diretor para Bong Joon-ho em 2019 com Parasita. Pela primeira vez na história um filme não falado em inglês recebia o prêmio de melhor filme – marco histórico.

Mas o destaque merecido não se restringe à testagem nem a Parasita. Há cinco anos, Park Geun-hye, a então presidente da República, foi afastada do cargo pelo Congresso, em virtude da prática de atos de corrupção, e um ano e meio depois já estava condenada a 24 anos de prisão. No mundo privado, o presidente da Hyundai, Chung Mong-koo, foi condenado a 3 anos em 2007, e em 2017 o vicepresidente da Samsung, Lee Jae-yong, foi preso por corrupção, fraude e perjúrio no caso “Rasputina”.

Isso significa que, num país onde 30 anos atrás havia um nível de corrupção de certo modo equivalente ao nosso, hoje, com investimento maciço em educação, há significativas transformações. A corrupção continua existindo, como sempre existirá aqui e em todo o mundo, mas a maneira como o Estado sul-coreano lidou com ela foi exemplar. A desigualdade social retratada em Parasita é lá um problema, como é no Brasil, mas as ações de resposta concretas estatais não se equivalem.

Estamos regredindo em matéria de qualidade da democracia, de credibilidade, de transparência, de liberdade de expressão. Estão piorando progressivamente nossos níveis de corrupção. Infelizmente, nos últimos meses muitos acontecimentos nos levaram a uma deterioração acelerada deste quadro.

O Instituto Lowy, sediado na Austrália, examinando indicadores de 98 nações de todo o planeta, concluiu cientificamente que a qualidade da resposta brasileira à crise da pandemia foi a pior de todas. Nossa gestão em nível federal foi amadora e deplorável, sob todos os aspectos. Desrespeitosa aos ditames da ciência, opaca, insensível à dor dos enlutados e, segundo as contundentes conclusões do relatório da CPI do Senado, diversos sinais apontam para práticas corruptas na aquisição de vacinas, com rejeições de vacinas em que não se vislumbrasse a possibilidade de obtenção de propina.

No Congresso Nacional há um desmonte em curso do sistema legal, merecendo destaque o esmagamento da Lei da Ficha Limpa, escancarando as portas para o caixa 2 eleitoral e, consequentemente, para a compra de votos, e, logo depois, o aniquilamento da Lei de Improbidade. Nova lei traz prazos de prescrição maravilhosos para violadores, não pune improbidades culposas, praticamente não pune improbidades sem danos e, para punir aquelas com danos, exige dolo específico. Prazo para o Ministério Público (MP) concluir investigações, mesmo complexas: um ano. Ou seja, são tantos obstáculos criados que punir virou missão para super-herói. E, mesmo suspenso por 8 votos a 2 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o Congresso insiste em manter vivo o orçamento secreto, deliberando ao arrepio da Constituição.

A postulação brasileira de ingresso na OCDE, um dos mais importantes organismos do mundo globalizado contemporâneo, transformou-se num sonho irrealizável diante do não cumprimento daquilo que se considera conjunto de requisitos elementares para a admissão. Chile, Colômbia e México, entretanto, com economias muito menos robustas que a brasileira no cenário da América Latina, já integram o organismo. Na contramão disso, a OCDE institui incomum grupo de monitoramento das ações anticorrupção do Brasil, porque não percebe efetividade do compromisso do Estado brasileiro no combate à corrupção, salvo algumas raras e honrosas exceções de instituições e indivíduos.

Especialmente em razão das hostilidades permanentes presidenciais, o Brasil desceu do nível laranja ao vermelho no ranking de liberdade de expressão da Repórteres sem Fronteiras (RSF), e nossa democracia é considerada imperfeita com um novo ministro do STF escolhido pelo presidente por ser “terrivelmente evangélico”. Precisamos priorizar o combate à corrupção, a educação e a reversão da desigualdade social, além de ter a humildade de aprender com exemplos como o da Coreia do Sul.