O Globo, n. 32660, 07/01/2023. Opinião, p. 2

Lula deveria rever escolhas para ministérios



Em sua primeira reunião com os 37 ministros no Planalto ontem, o presidente Luiz Inácio Lu lada Silva ressaltou a necessidade de o governo ter maioria no Congresso para poder aprovara agenda de demandas da sociedade. A estrutura pulverizada da política brasileira faz com que presidentes sejam eleitos sem maioria no Parlamento. Por isso a montagem das equipes costuma levar em conta a governabilidade. Eleito por uma frente ampla, uma novidade positiva no cenário brasileiro, Lula teve desta vez um desafio ainda maior do que o normal. Parte das falas de Lula na reunião de sexta-feira demonstra que essa tarefa tem se provado particularmente espinhosa. Em recado dúbio, o presidente disse que quem fizer algo errado “será convidado a deixar o governo”, mas prometeu “não deixar ninguém na estrada”. Embora não tenha citado nomes, os alvos da declaração, presentes na sala, eram do conhecimento de todos: o ministro da Integração Nacional, Waldez Góes (PDT), ex-governador do Amapá, e a ministra do Turismo, Daniela Carneiro (União Brasil). Indicado pelo senador Davi Alcolumbre (União Brasil), Góes teve a nomeação criticada pela Transparência Internacional, ONG voltada a combater a corrupção. Góes foi condenado em 2019 a seis anos e nove meses de prisão em regime semiaberto pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ele foi acusado pelo crime de peculato, por desviar recursos de empréstimos consignados de servidores estaduais. A ação foi suspensa temporariamente pelo Supremo Tribunal federal (STF), que acolheu habeas corpus apresentado pela defesa. Daniela Carneiro, do Turismo, também é fonte de embaraços para o governo. Em 2018, quando disputava uma cadeira na Câmara dos Deputados, fez campanha ao lado do miliciano Juracy Alves Prudêncio, condenado por homicídio e apontado como chefe de uma sangrenta milícia que atua em Belford Roxo, na Baixada Fluminense. Não foi o único caso.

Fábio Augusto de Oliveira Brasil, o Fabinho Varandão, outro acusado de chefiar uma milícia na região, também esteve ao lado de Daniela no ano passado, quando ela se reelegeu deputada federal.

A ministra tem alegado que eventuais apoios não significam que ela compactue com criminosos. Por outro lado, é inegável que a promiscuidade de políticos com o crime em vários pontos do território brasileiro é fato que degrada a política. É verdade que Góes não teve condenação definitiva pela Justiça e que Daniela não foi alvo de ação por conivência com o crime organizado. Mas parece claro que Lula derrapou na formação de sua base de apoio no Congresso ao não ter buscado ministros com históricos sem nenhum tipo de sombra.

A já desgastada frase do novo governo sobre a necessidade de reconstrução deveria incluir esse tipo de cuidado. Vale lembrar que o PT sempre criticou o clã Bolsonaro pela proximidade e afinidade com milicianos.