O Globo, n. 32658, 05/01/2023. Política, p. 4

Freio de arrumação

Paula Ferreira
Sérgio Roxo


Antes mesmo de o governo completar uma semana, nomes importantes da nova administração já protagonizam uma sucessão de divergências públicas. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva convocou uma reunião ministerial para amanhã, ocasião em que deverá fazer um freio de arrumação e determinar que seus auxiliares só falem em nome do Executivo quando autorizados.

O ruído mais recente se deu ontem entre os titulares da Casa Civil, Rui Costa (PT), e da Previdência, Carlos Lupi (PDT) sobre eventual revisão das regras para aposentadoria (leia mais detalhes na página 13). Na articulação política, os líderes do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), e na Câmara, deputado José Guimarães (PT- CE), já se atritaram sobre como garantir os votos de partidos que integram o Ministério. Os titulares da Justiça, Flávio Dino, e da Defesa, José Múcio, por sua vez, já deram declarações contraditórias sobre como lidar com atos antidemocráticos, enquanto Fernando Haddad (Fazenda) foi na contramão do próprio Lula quanto à prorrogação da isenção de impostos sobre combustíveis.

Com a função de coordenador dos demais ministros e um dos principai auxiliares de Lula, Rui Costa confirmou que o chefe atuará para dirimir divergências na equipe.

— O presidente vai fazer uma reunião ministerial na sexta e ressaltar essas questões. Os ministros podem ter opiniões pessoais sobre vários temas. Mas uma opinião, um projeto, uma medida só passa a ser do governo quando legitimada pelo presidente da República — declarou, buscando minimizar as divergências entre integrantes do primeiro escalão.

— (Não há) Crise nenhuma. É normal. Ministros tomando posse, todo mundo cheio de energia, cheio de amor para dar, o entusiasmo toma conta.

Episódios de descompasso, no entanto, extrapolaram os limites da Esplanada dos Ministérios e envolvem também lideranças do governo no Legislativo. José Guimarães mandou um recado ao líder do governo no Congresso, que cobrou fidelidade do União Brasil, responsável pela indicação de três ministros do atual governo. Randolfe afirmou que, com tamanho espaço na máquina federal, o partido precisa garantir pelo menos 60% de adesão de sua bancada nas votações. Guimarães não gostou e disse que é preciso “falar menos” para construir a governabilidade.

Autoridades que já trabalharam com Lula relatam que ele costuma estimular a competição entre membros de suas equipes e, quando necessário, arbitrar eventuais conflitos. Neste governo, diferenças na atuação dos ministros deram origem a discursos conflitantes sobre um tema sensível, os acampamentos de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. Flávio Dino e José Múcio emitiram sinais opostos a respeito do tema.

Alas política e econômica

Antes mesmo do o novo governo tomar posse, Dino já adotava um tom duro ao dizer que pretendia investigar atos antidemocráticos ocorridos em frente a quarteis do Exército, onde os bolsonaristas estão reunidos. Dino tentava transmitir a imagem de que não toleraria investidas criminosas, sobretudo para questionar a legitimidade da vitória eleitoral de Lula.

Já o novo ministro da Defesa, ao tomar posse, classificou os acampamentos como “manifestação democrática” e disse que tem parentes entre os acampados em Pernambuco, seu estado. Múcio foi escolhido para a Defesa com a missão de aliviar tensões e construir uma relação harmônica com os militares. Seu discurso serviu como um aceno aos integrantes da caserna, que vem sendo criticados por não se posicionarem contrariamente aos atos organizados nas portas de endereços do Exército.

Em mais um caso de dessintonia, Haddad, se manifestou publicamente contra a prorrogação da isenção de impostos dos combustíveis. Dias depois, o próprio presidente da República decidiu conceder mais 60 dias de isenção para a gasolina e o etanol e mais um ano para o diesel e o GLP.

Depois da declaração de Haddad, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, defendeu, em entrevista à GloboNews, a prorrogação da desoneração:

— Eu, particularmente, defendo que tenha pelo menos uma prorrogação até a gente entrar para ver como está a política de preços de combustíveis da Petrobras. Porque o problema não é a questão do tributo, é a política de preços da Petrobras, é a dolarização que aconteceu.