O Globo, n. 32657, 04/01/2023. Política, p. 5

Ministra do Turismo fez campanha com miliciano

Rafael Soares
Lucas Mathias


Daniela Carneiro, a Daniela do Waguinho, que tomou posse segunda-feira como ministra do Turismo do governo Lula, já fez campanha ao lado de um miliciano condenado a 22 anos por homicídio. Em 2018, Juracy Alves Prudêncio, o Jura, aparece em fotos entregando santinhos com Daniela numa passeata na Baixada Fluminense. Na época, Jura estava preso em regime semiaberto e havia conseguido autorização da Justiça para sair da cadeia para trabalhar. Seu emprego era o de diretor do Departamento de Ordem Urbana na prefeitura de Belford Roxo, comandada pelo marido de Daniela, Wagner dos Santos Carneiro, o Waguinho. A ministra, o marido e o miliciano também posaram juntos para fotos feitas em outros momentos, como uma festa infantil.

Em 2018, Daniela foi eleita deputada federal. Em nota, a ministra afirmou que “apoio político não significa que ela compactue com qualquer apoiador que porventura tenha cometido algum ato ilícito”. O ministro da Justiça, Flávio Dino, respondeu pelo governo. Ele afirmou que uma foto não prova ligação com a milícia e que caberia àministra dar esclarecimentos.

Segundo as sentenças que condenaram o ex-sargento da PM entre 2010 e 2014, Prudêncio era chefe do Bonde do Jura, uma milícia acusada de uma série de homicídios na Baixada. Ele está preso desde 2009, quando foi alvo da Operação Descarrilamento, da polícia civil, que levou para trás das grades nove PMs acusados de integrar a milícia que ele chefiava.

Em 2020, o EXTRA revelou que o miliciano ganhou um cargo na prefeitura de Belford Roxo — o que motivou sua exoneração. O caso foi publicado ontem pela Folha de S. Paulo. Em seguida, uma investigação determinada pela Vara de Execuções Penais descobriu que ele saía da cadeia, mas não comparecia na prefeitura e, mesmo assim, “lhe eram atribuídas as horas. A prefeitura, à época, afirmou que Jura “nunca tomou posse” e que o município “nunca pagou salários” a ele: segundo o órgão, o ex-PM cumpria “voluntariamente expediente na parte administrativa atendendo às demandas do órgão”. Após o caso vir à tona, Prudêncio perdeu autorização para sair da cadeia.

Jura, inclusive, foi citado no relatório final da CPI das Milícias, presidida pelo então deputado estadual Marcelo Freixo — que será subordinado a Daniela no novo governo, já que ele foi anunciado como presidente da Embratur.

Procurado, o advogado de Prudêncio, Luan Palmeira afirmou que não tem “autorização dele nem da família para falar sobre o processo”. Palmeira pediu para conversar com seu cliente antes de dar declaração sobre a relação dele com Waguinho e Daniela.

Na nota enviada, a ministra disse ainda que “compete à Justiça julgar quem comete possíveis crimes” e que “não tem nenhuma ingerência” sobre as nomeações na prefeitura de Belford Roxo.

Nepotismo e boca de urna

Apesar disso, foi ao ser nomeada em 2017 para o cargo de secretária de Assistência e Cidadania de Belford Roxo, cidade governada pelo seu marido, que Daniela ganhou projeção, sendo acusada de nepotismo em ação ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ). Ela também já foi denunciada por boca de urna e ainda teve seu nome associado ao escândalo da Fundação Ceperj, que culminou em denúncia do Ministério Público Eleitoral contra o governador do Rio, Cláudio Castro (PL): uma das assessoras da ministra foi citada no esquema antes de ser exonerada.

Nas eleições do ano passado, quando foi reeleita deputada federal, Daniela teve quase metade dos votos de Belford Roxo (114 mil). Ela chegou a ser condenada após o pleito pelo TRE do Rio a pagar multa por propaganda irregular, pelo derramamento de “santinhos” de campanha, ao lado do deputado estadual Márcio Canella (União), no dia da eleição, próximo a local de votação no município. Ela também foi investigada em outra ação semelhante, mas na cidade de Magé.

No escândalo da “folha de pagamento secreta” da Fundação Ceperj, no governo Cláudio Castro, uma das assessoras parlamentares de Daniela, Iris Campos Ramalho, foi nomeada como funcionária da Ceperj em março, mesmo mês em que começou a receber da Câmara Federal. A dupla remuneração não é permitida. Questionada em agosto, a deputada exonerou a funcionária do gabinete no mesmo dia.