O Estado de São Paulo, n. 46795, 30/11/2021. Espaço Aberto p.A4

 

 

A sombra sobre o Brasil

 

Aloísio de Toledo César

Será que o Brasil e os brasileiros merecem acreditar em parlamentares que se vendem? Vê-se, a cada dia e com claridade solar, que o governo federal transforma verbas destinadas a investimentos públicos em moeda de troca para a compra de apoio político.

Isso vem ocorrendo sistematicamente no País e lança uma sombra sobre o presidente da República e os parlamentares que se vendem. Será possível confiar em pessoas que se vendem? E em quem as compra?

Os eleitores, quando elegeram seus representantes, esperavam o contrário, ou seja, desejavam que os eleitos para o Congresso Nacional e o Planalto ali defendessem os direitos e a honra de cada brasileiro, jamais o contrário. Agora, neste mar de corrupção criado pelo presidente Jair Bolsonaro, os nossos eleitos fazem o jogo sujo de receber os dinheiros e fingir que os aplicam em suas regiões (quem sabe guardando um troco para si próprios?).

São as famosas emendas de relator, nome eufemístico encontrado para esconder quem são os vendidos e, também, quanto de nosso dinheiro público foi destinado a cada um deles. Alguns órgãos de divulgação calculam que os valores desviados nesse jogo sujo passam de R$ 4 bilhões.

Tudo isso se tornou conhecido a partir de denúncia feita pelo jornal Estado a respeito do orçamento secreto – nome dado ao processo de compra de parlamentares com a finalidade de proteger o chefe da Nação de um processo de impeachment.

Os bolsonaristas negaram, xingaram, mas, no fim das contas, o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a existência da prática, exigindo transparência na conduta, ou seja, que sejam conhecidos os valores, os nomes dos beneficiados e as “obras” que estariam custeando em suas regiões.

É lamentável que este dinheiro emporcalhado não seja destinado àqueles que mais necessitam, ou seja, aos milhões de pobres brasileiros que são atirados pelo atual desgoverno a uma situação de miséria. Sim, atualmente temos muito mais miseráveis do que pobres no País – no exato momento em que o presidente da República e o presidente da Câmara dos Deputados enchem de dinheiro os bolsos dos parlamentares para que votem neste ou naquele projeto.

Não fossem as divulgações do caso pela imprensa, jamais o grande público teria notícia dessa corrupção desbragada envolvendo o Palácio do Planalto e os congressistas vendidos. Falta saber o nome de cada um dos vendidos e o dinheiro que receberam, porque o quantum destinado a cada real tende a permanecer em mistério. Rui Barbosa dizia que “a imprensa é a vista da Nação. Por ela é que a Nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o mal que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam ou roubam”.

A Constituição federal proclama, em seu artigo 37, III, parágrafo 4.º, que “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”. Essa garantia é saudável, mas, lamentavelmente, não tem aplicação ao presidente da República no curso do mandato, em face de entendimento já sufragado pelo Supremo Tribunal Federal de que a ação de improbidade administrativa não se aplica aos agentes políticos que se sujeitam à ação penal por crime de responsabilidade, com foro privilegiado estabelecido na Constituição federal (caso de Jair Bolsonaro).

De fato, assim como a inviolabilidade criminal em razão de opiniões, palavras e votos protege os parlamentares eleitos, ao lado dela a mesma imunidade impede que o presidente da República seja processado sem prévia licença da Câmara dos Deputados.

Essas imunidades alcançam apenas o processo criminal e os crimes, mas deixam de fora as cominações civis, como, por exemplo, o ressarcimento ao erário. Isso equivale a dizer que estes corruptos eleitos podem dar risada agora, mas, ao término do mandato, poderão efetivamente ter de devolver dinheiro ao erário, após julgamento de ação civil.

Lamentavelmente, a nova lei que pune a improbidade administrativa, na forma com que foi publicada – embora tenha disposto oito anos para o Ministério Público ajuizar a ação contra o corrupto –, determinou que é de apenas quatro anos o prazo prescricional. Ajuizada a ação, passa a incidir o prazo de quatro anos para reconhecimento da prescrição intercorrente, circunstância que tornará muito difícil de punir o corrupto antes do julgamento final dos demorados processos punitivos. Boa parte das ações poderá perder sua finalidade se o prazo para julgamento da ação ultrapassar os quatro anos.

Quando chegar a hora de entrar com ação penal e civil contra esses corruptos, tomara que o Brasil tenha um procurador-geral da República que não se curve, docilmente, ao presidente da República, como o atual.