Valor Econômico, v. 20, n. 4877, 09/11/2019. Brasil, p. A2

Reunião do Brics expõe ‘gigantismo’ de China e Índia contra resto do bloco

Daniel Rittner 

Quando posarem para a tradicional “foto de família” no Palácio do Itamaraty, a exemplo de outras reuniões de cúpula no passado recente, os líderes do Brics vão mostrar ao mundo um bloco cada vez mais concentrado em suas duas grandes economias e com três coadjuvantes estagnados em termos de participação no PIB global.

De 2001 a 2019, segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) compilados pela consultoria de risco político Eurasia, China e Índia elevaram sua fatia na geração de riquezas de 12,1% para 27,3%. Depois de fortes recessões, os outros três integrantes do grupo andaram ligeiramente para trás no mesmo período. A soma dos PIBs de Brasil, Rússia e África do Sul representava 7,2% da economia mundial no início de século. Hoje é 6,1%.

Para o embaixador Norberto Moretti, secretário de Comércio Exterior e Assuntos Econômicos do Ministério de Relações Exteriores, qualquer leitura sobre uma suposta perda de importância do Brics é equivocada. “Temos a segunda principal economia do planeta, um dos países que mais crescem no mundo, nós aqui o Brasil já sentindo de novo o bafo do crescimento, como disse o ministro Paulo Guedes, e a África do Sul disputando com a Nigéria o título de maior PIB do continente africano.”

O cancelamento da cúpula da Apec, fórum de 21 países do eixo Ásia-Pacífico, gerou temores em setores do governo brasileiro sobre a vinda do chinês Xi Jinping e do russo Vladimir Putin. Eles teriam dois compromissos na América do Sul, com o Brics e a reunião da Apec em Santiago, que receberia ainda o americano Donald Trump e o japonês

Shinzo Abe. Apesar de o segundo evento ter sido suspenso, devidos aos protestos no Chile, Xi e Putin mantiveram a viagem, em um sinal de prestígio do bloco e do Brasil em especial.

Nesta cúpula do Brics, quebrando um roteiro já habitual em reuniões anteriores, o governo brasileiro optou por não convidar outros países para participar como convidados. Com isso, as lideranças estrangeiras que vêm a Brasília ficarão sem a oportunidade de aproveitar o encontro para um “diálogo ampliado” com outros presidentes e primeiros-ministros, principalmente da região.

Normalmente, à margem da maior reunião anual do bloco, dois eventos paralelos são organizados: o “Outreach” costuma convidar chefes de Estado ou de governo da região geográfica onde ocorre o encontro; o “Brics Plus” chama países não necessariamente vizinhos, mas considerados atores relevantes pelo governo com a presidência rotativa.

Segundo fontes ouvidas pelo Valor, o Brasil cogitou organizar uma reunião com outros sul-americanos e a presença do venezuelano Juan Guaidó como representante da Venezuela. Em todos os fóruns internacionais, porém, China e Rússia têm defendido a legitimidade de Nicolás Maduro e seguido a postura de não entrar em assuntos que consideram domésticos. A Índia e a África do Sul, de modo menos enfático, adotam posição semelhante.

“Nos últimos anos, esses encontros ajudaram os anfitriões de cada cúpula do Brics a engajar seus vizinhos e promover um amplo diálogo sobre desafios comuns”, diz Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP) e autor do livro “Brics e o Futuro da Ordem Global”. Para ele, o presidente Jair Bolsonaro perde a chance de ter ao seu lado vários presidentes sul-americanos e exercer liderança regional. “É uma oportunidade desperdiçada de proporções consideráveis”, afirma Stuenkel.

O embaixador Moretti atribui a decisão brasileira de não organizar os encontros ampliados somente a uma postura “pragmática” da atual presidência. “A presidência brasileira pôs foco na cooperação intra-Brics e na perspectiva pragmática de colocar todo o nosso esforço a serviço de uma agenda de cooperação interna, palpável e concreta”, afirmou.

Todos os líderes do Brics - além de Xi e de Putin, o indiano Narendra Modi e o sul-africano Cyril Ramaphosa - confirmaram presença. A cúpula começa na quarta-feira, com um fórum empresarial e um jantar de boas-vindas oferecido por Bolsonaro no Palácio do Itamaraty, e continua na quinta-feira com reuniões de alto nível na sede da chancelaria.

Em 2019, o Brasil definiu quatro prioridades para as discussões no bloco: cooperação em ciência, tecnologia e inovação; economia digital; combate aos ilícitos transnacionais, notadamente ao crime organizado, à lavagem de dinheiro e ao tráfico de entorpecentes; e aproximação entre o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) e o conselho empresarial do Bri

Uma das queixas do governo e da iniciativa privada é que o NDB, também conhecido como Banco do Brics, poderia reduzir o déficit de infraestrutura do Brasil, mas tem feito poucos desembolsos ao país. Até o momento, o Brasil ainda não conseguiu aproveitar todas as oportunidades criadas pelo fato de ser sócio do banco, com 20% do capital já integralizado.

De acordo com dados levantados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), a instituição detém atualmente US$ 11,9 bilhões em financiamento para projetos de infraestrutura sustentável, mas apenas US$ 1,1 bilhão financia empreendimentos brasileiros. Há um mês, essa cifra era ainda menor. Com o projeto de US$ 500 milhões para o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo Clima), o governo brasileiro aumentou a participação do Brasil de 6% para os 9% de hoje.

O diretor de desenvolvimento industrial da CNI, Carlos Abijaodi, acredita que um dos motivos para esse descompasso é o acesso ao banco. “O

Brasil tem uma demanda reprimida para financiar infraestrutura. A abertura de um escritório no Brasil vai resolver um problema grave de acesso a esses recursos, como, informações e conhecimento sobre todas as etapas para aprovação de um projeto.”