Valor Econômico, v. 20, n. 4877, 09/11/2019. Brasil, p. A2

Economia ganha fôlego, puxada pelo consumo

Sergio Lamucci


A economia brasileira termina o ano com expectativa de aceleração do ritmo de atividade, impulsionada pela combinação de aumento do crédito, juros mais baixos, melhora da construção civil e liberação de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Hoje, as projeções de vários analistas apontam para um quarto trimestre mais forte que o terceiro e para um crescimento de 2% ou um pouco mais em 2020 - nada exuberante, mas uma boa notícia depois de três anos de avanço do PIB na casa de 1%.

Esse cenário de recuperação um pouco mais firme vai depender especialmente do consumo privado. “Com o forte ‘vento de proa’ vindo da desaceleração da economia mundial, diante da total impossibilidade de qualquer estímulo fiscal, e com os investimentos em capital ainda contidos pelo alto nível de incerteza, o consumo das famílias é a única força propulsora da recuperação”, avaliam os economistas da A.C. Pastore & Associados.

“Ainda que lentamente, o consumo vem crescendo desde o fim da recessão, [...] e nossa expectativa é que a queda da taxa de juros e a expansão do crédito levem a alguma aceleração.” Além disso, há o efeito no curto prazo do saque das contas do FGTS, mas se trata de algo apenas temporário, destaca relatório da consultoria do ex-presidente do

Banco Central (BC) Affonso Celso Pastore, que faz uma ressalva importante: “Uma aceleração mais forte do consumo depende crucialmente da melhora no mercado de trabalho, que ainda é lenta, com um elevado contingente de informais, desalentados e desempregados, o que impede uma melhora mais acentuada da confiança do consumidor”.

A perspectiva é de recuperação gradual para o mercado de trabalho, que parte de um quadro ainda muito negativo - no terceiro trimestre, a taxa de desemprego ficou em 11,8%, o equivalente a 12,5 milhões de pessoas. O Itaú Unibanco estima uma taxa média de desemprego de 12% em 2019 e de 11,7% em 2020.

Nesse quadro, o consumo das famílias enfrenta limitações para um crescimento mais expressivo, embora deva ganhar fôlego em relação ao ritmo deste ano. O Bradesco prevê um avanço do consumo privado de 2,5% no ano que vem, bastante acima do 1,3% esperado para este ano. Na sexta-feira, o banco revisou a projeção de avanço do PIB de 2020 de 1,9% para 2,2%.

Os analistas do Bradesco notam que o crédito para famílias com recursos livres está crescendo a um ritmo de 16% ao ano, o mais alto desde 2012. Além disso, veem o comprometimento de renda e a inadimplência da pessoa física em níveis confortáveis, enfatizando ainda a elevada liquidez no sistema financeiro, o que aumenta a disposição dos bancos para emprestar.

Também ajuda a atividade a queda dos juros básicos. A Selic está em 5% ao ano, e boa parte do mercado aposta que a taxa deverá cair para 4% no começo de 2020, aí permanecendo ao longo de todo o ano. Com isso, os juros reais (descontada a inflação) ficarão próximos de zero. Falta, claro, que as taxas de empréstimos caiam com força, uma vez que seguem muito elevados os spreads bancários (a diferença entre o custo de captação das instituições financeiras e os juros cobrados nos financiamentos). Uma Selic tão baixa, contudo, deverá estimular a economia.

Neste trimestre, a economia terá o gás adicional dos recursos do FGTS. Será um estímulo temporário, mas que deve fazer a atividade acelerar no fim de 2019. O Itaú Unibanco espera avanço do PIB de 0,4% no terceiro trimestre em relação ao trimestre anterior, feito o ajuste sazonal, apostando em alta de 0,7% nos últimos três meses do ano. Entre as boas notícias, há também uma retomada da construção, com a melhora do desempenho do mercado imobiliário.

Já uma recuperação mais forte do investimento ainda parece improvável. Os juros mais baixos e a situação fiscal mais sustentável, dada a aprovação da reforma da Previdência, dão mais confiança para as empresas investirem em projetos de longo prazo, mas ainda há fatores que levam o setor privado a ser mais cauteloso. Além da ociosidade existente em muitos setores, a própria demora da economia em engatar um ritmo mais forte inibe as decisões de investimento, por causa das dúvidas em relação à demanda. A desaceleração da economia global e as tensões comerciais entre EUA e China também podem atrapalhar, assim como as ações preocupantes do governo Jair Bolsonaro em algumas áreas, como na política ambiental.

Depois de uma recessão profunda, que durou do segundo trimestre de 2014 ao quarto trimestre de 2016, o Brasil passou os três últimos anos crescendo a um ritmo fraco, com um quadro especialmente delicado no mercado de trabalho. Não por acaso, após sair da prisão, o ex-presidente

Luiz Inácio Lula da Silva fez várias críticas à situação da economia e à política econômica.

Com Lula polarizando o debate e a aproximação das eleições municipais de 2020, a economia ficará ainda mais na berlinda. A recuperação parece de fato ganhar fôlego, mas a reação do mercado de trabalho tende a ser lenta, indicando uma melhora gradual da sensação de bem-estar da população.

O ritmo da retomada, nesse cenário, será importante para definir o andamento e o apoio no Congresso às novas reformas encaminhadas pela equipe de Guedes, como as propostas para reformular o Estado. Se a atividade não engrenar, medidas importantes, como as voltadas para controlar a expansão dos gastos obrigatórios, podem ficar pelo caminho. Mais grave, tornará ainda mais vagarosa a já arrastada recuperação do mercado de trabalho.

Sergio Lamucci é repórter e escreve quinzenalmente