Valor Econômico, v. 20, n. 4876, 08/11/2019. Opinião, p. A17

Ambiciosa reforma fiscal

Gustavo Loyola


As medidas anunciadas nesta semana pelo presidente Bolsonaro - que consubstanciam uma proposta de verdadeira e inédita revolução fiscal - apontam na direção correta e se constituem no seguimento natural do esforço de ajuste estrutural iniciado com a reforma previdenciária.

A aprovação da reforma da previdência social foi sem dúvida uma boa notícia, mas não podia ser encarada como o fim da jornada em busca do equilíbrio fiscal estrutural e da sustentabilidade do endividamento público. Ao contrário, medidas adicionais continuam sendo necessárias para viabilizar o cumprimento do teto constitucional para o crescimento dos gastos da União, a eliminação do déficit primário e o restabelecimento da saúde financeira de Estados e municípios, muito dos quais hoje se encontram praticamente falidos.

Considerando simulações que já levam em conta a redução da taxa real de juros de equilíbrio e a retomada moderada do crescimento econômico nos próximos anos, estima-se que seja necessário atingir um superávit primário anual entre 1% e 1,5% do PIB para estabilizar o crescimento da dívida pública como proporção do PIB, partindo do atual déficit em torno de 1,5% do PIB. As economias obtidas pela reforma previdenciária - estimadas em R$ 900 bilhões ao longo dos próximos 10 anos - não seriam suficientes para fechar a conta.

Por outro lado, a problemática fiscal brasileira não se cinge ao balanço entre receitas e despesas. Igualmente relevantes são a dominância de gastos obrigatórios no orçamento e a falta de espaço para o investimento público, o que acaba resultando em ineficiência do Estado e má qualidade na prestação dos serviços públicos à população.

A proposta de criação de “gatilhos” para contenção dos gastos em situações de ameaça de descumprimento das metas fiscais ataca uma questão essencial que é a necessidade de dar ao governo a necessária flexibilidade na gestão dos orçamentos públicos. Hoje em dia, o governo federal tem gestão ativa apenas sobre cerca de 7% de suas despesas, situação que leva ao sacrifício extremo dos gastos discricionários - inclusive do investimento público - quando há necessidade de contenção orçamentária. Com os gatilhos, ampliam-se as possibilidades para o ajuste as contas públicas, amortecendo seu impacto sobre a prestação dos serviços essenciais à população. Nesse sentido, de particular relevância são as propostas que permitem flexibilizar as despesas com pessoal que hoje consomem quase dois terços do Orçamento da União.

Com o mesmo propósito são as medidas sintetizadas pelo ministro Paulo Guedes nos três “Ds” - desvinculação, desobrigação e desindexação. Destaque-se entre elas a permissão para que o gestor público administre conjuntamente a destinação obrigatória de gastos para saúde e educação, introduzindo de modo inteligente uma importante flexibilidade que deve beneficiar especialmente a gestão orçamentária nos Estados e municípios.

Outro aspecto importante das medidas é o reforço do arcabouço de controle fiscal, dando efetividade maior à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O fechamento das brechas de interpretação da LRF e o alinhamento dos conceitos utilizados pelos tribunais de contas são avanços relevantes para evitar situações, hoje comuns, em que violações da LRF são escondidas atrás de maquiagens diversas.

Cabe destaque igualmente a proposta de vedação de socorro financeiro pela União a Estados e municípios, assim como da concessão de garantias pela União em empréstimos e financiamentos, exceto quando o credor for um organismo financeiro internacional. Se adotada, entre outros resultados, a medida acabará com uma situação injusta que vem punindo os entes da federação mais responsáveis fiscalmente, que terminam por receber uma parte menor do “bolo” de recursos da União, por não serem beneficiários contumazes de programas de ajuda.

Caso aprovadas pelo Congresso Nacional as propostas apresentadas por Bolsonaro, a gestão orçamentária no Brasil terá um avanço extraordinário, caminhando para se ter orçamentos realistas e não sujeitos ao controle “na boca do caixa” que hoje geram incertezas para os fornecedores do governo e ineficiências na execução das políticas públicas. Poderá ser evitado também o chamado “efeito mola”, fenômeno pelo qual o controle estrito de determinado tipo de gasto ao longo dos anos acaba por fazê-lo explodir logo em seguida, pelo surgimento de demandas inadiáveis de despesas.

Aguarda-se agora a proposta do governo federal para reforma do sistema tributário, que carece urgentemente de mudanças, tendo em vista sua complexidade e o efeito deletério sobre o ambiente de negócios no Brasil. Há bem elaboradas propostas em tramitação no Congresso Nacional que são um excelente ponto de partida para discussão do tema.

Gustavo Loyola, doutor em Economia pela EPGE/FGV, é ex-presidente do BC e sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo