Valor Econômico, v. 20, n. 4876, 08/11/2019. Política, p. A11

Delação de Palocci põe ex-presidente do STJ e sócio da Camargo Corrêa na mira da PF

André Guilherme Vieira



Em uma investigação que apura as circunstâncias da anulação da Operação Castelo de Areia pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), ocorrida em 2011, a Polícia Federal (PF) cumpriu ontem mandados de busca e apreensão na casa do sócio da Camargo Corrêa, Luiz Nascimento, em São Paulo, em um apartamento que já pertenceu ao ex-ministro e ex-presidente da Corte, o advogado César Asfor Rocha, em Fortaleza, e ainda em endereços da Camargo Corrêa. Ao todo foram cumpridos quatro ordens judiciais para busca e apreensão de documentos.

A Operação ‘Appius’ foi deflagrada com autorização da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo a partir de acusações feitas em delação premiada pelo ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil nos governos do PT, Antonio Palocci.

Na delação, Palocci abordou a Castelo de Areia apontando suposto pagamento indevido de R$ 50 milhões pela Camargo Corrêa à campanha presidencial de Dilma Rousseff (PT), em 2010, com objetivo de obter auxílio do governo para anular a operação no STJ - a investigação apurava lavagem de dinheiro, evasão de divisas e crimes financeiros que envolveriam pagamentos de propinas de três executivos da construtora a políticos, em troca de contratos para obras públicas, segundo o delator.

Palocci afirmou ainda ter recebido R$ 1,5 milhão para si pela atuação no caso. E narrou uma suposta destinação de R$ 5 milhões para o então ministro do STJ Asfor Rocha.

Em nota, Asfor Rocha afirmou que “Palocci dissemina mentiras com base no que diz ter ouvido falar” e que “por falta de consistência e provas, essa mesma ‘delação’ foi recusada pelo Ministério Público Federal.”

Ainda segundo o comunicado, Asfor Rocha “registrará notícia-crime na Procuradoria-Geral da República e moverá ação penal contra [Palocci] o delinquente, além de ações cíveis por danos causados à sua imagem e à do escritório.” A PF não realizou buscas no escritório de advocacia do ex ministro, localizado em São Paulo.

Procurado, o advogado de Luiz Nascimento e da Camargo Corrêa, Celso Vilardi, afirmou que “o lugar de Palocci é na cadeia.”

“A defesa da companhia e de seus executivos não medirá esforços para que o senhor Palocci seja processado e condenado por denunciação caluniosa e volte para a prisão, que é o seu devido lugar”, disse o criminalista ao Valor.

Vilardi afirmou ainda que Palocci mentiu ao declarar, na delação premiada, que a decisão que arquivou a Castelo de Areia contrariou a jurisprudência dos tribunais superiores.

“A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, julgando recurso ajuizado pelo Ministério Público Federal, por unanimidade, tendo sido relator o ministro Luís Roberto Barroso, assentou que a decisão do STJ estava correta e de acordo com a jurisprudência do próprio STF.”

Apesar de Palocci afirmar que Asfor Rocha trancou a Castelo de Areia com uma penada, o então ministro do STJ concedeu habeas corpus à defesa dos investigados em 2011, paralisando temporariamente o andamento das investigações. Catorze dias depois os ministros da 6ª da Corte, por maioria de votos, entenderam que a origem da investigação, motivada por denúncia anônima, não poderia sustentar a instauração de inquérito policial e a operação foi então anulada desde a sua origem - nada do que foi encontrado nas investigações poderia ser aproveitado para produção de provas.

A delação premiada de Palocci foi rejeitada pela força-tarefa da Lava-Jato no Ministério Público Federal (MPF) em Curitiba em 2017. Na época, os procuradores consideraram “fracos” os relatos do ex-ministro, que ficou preso preventivamente e foi processado por corrupção e lavagem de dinheiro na Justiça Federal de Curitiba.

O ex-ministro, no entanto, conseguiu firmar acordo com a PF, em um momento em que delegados e procuradores não se entendiam sobre a primazia legal para fechar acordos de delação premiada. O MPF sustentou que o direito deveria ser exclusivo do Ministério Público. Em junho de 2018 o plenário do STF decidiu que delegados de polícia podem firmar acordos de delação premiada na fase de inquérito policial.

A delação premiada de Palocci já foi homologada (juridicamente validada) pelo relator da Lava-Jato no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), desembargador Gebran Neto, e também pelo ministro do STF Edson Fachin, que autorizou a realização de investigações sobre os fatos relatados pelo ex-petista. Fachin também distribuiu as acusações feitas por Palocci, seguindo o critério da territorialidade do crime, para São Paulo, Paraná e Distrito Federal.