Valor Econômico, v. 20, n. 4875, 07/11/2019. Opinião, p. A21

Novos horizontes para a educação

João Batista Oliveira



A PEC do pacto federativo abre espaço para repensar o futuro da educação. Pela primeira vez, questões vitais para a educação têm origem no Ministério da Economia, o que por si só já representa um grande avanço. Muita água ainda vai rolar, mas importa destacar os pontos em que a PEC abre novos horizontes para o financiamento e a gestão da educação e, sobretudo, para colocar o debate educacional dentro dos limites do razoável. Concentro-me nos pontos que me parecem de maior alcance.

Primeiro e fundamental, a PEC inclui nos direitos sociais o direito ao equilíbrio fiscal intergeracional. Não podemos ignorar as mudanças demográficas nem os custos de pagar os futuros aposentados. As gerações presentes serão duplamente sacrificadas pela irresponsabilidade vigente até aqui: terão de pagar pelo rombo da Previdência deixado por governos anteriores e recolher em dia os valores para garantir as aposentadorias e pensões dos servidores atuais. Não poderemos mais transferir dívidas previdenciárias para as futuras gerações. Faltou incluir o pagamento de compromissos e precatórios, nem só d nem só de funcionários públicos vive o país.

Segundo, a PEC limita a fruição do direito aos recursos disponíveis. Leis e direitos inexequíveis não mais precisarão ser cumpridos, nem com mandado judicial. Vale registrar o que diz a PEC: “Lei ou ato que implique despesa somente produzirá efeito enquanto houver a respectiva e suficiente dotação orçamentária, não gerando obrigação de pagamento futuro por parte do erário”. E a seguir: “Decisões judiciais que impliquem despesa em decorrência de obrigação de fazer ou entrar coisa somente serão cumpridas quando houver a respectiva e suficiente dotação orçamentária”. Políticos poderão continuar a fazer leis inexequíveis para agradar o seu eleitorado, mas delírios e exigências descabidas não terão consequência. Elucubrações como, por exemplo, o Plano Nacional de Educação, não terão mais lugar e não constituirão fonte de gastos desnecessários.

A PEC também trata vinculações, ainda que de forma hesitante. Os fundos e as vinculações constitucionais continuam. Mas o total de gastos obrigatórios com educação e saúde fica limitado a 35% do total das receitas, e os gastos podem ser intercambiáveis - o que, em tese, permitiria responder melhor a diferentes prioridades e às mudanças demográficas. A proposta demonstra entendimento de que a formação de capital humano pode se beneficiar de investimentos em saúde, abrindo espaço para financiar, por exemplo, programas eficazes de primeira infância que não sejam unicamente vinculados ao modelo de creches. Tópico para debate: por que não financiar a educação também por habitante, como se faz na saúde?

O quarto refere-se à possibilidade de postergar a efetivação dos novos concursados. Esta não é a solução necessária para o país se aproveitar do bônus demográfico. Seria necessário mudar a legislação para permitir a criação de novas carreiras para professores. Mas permitirá mais flexibilidade para não efetivar professores, caso o seu desempenho ou demografia assim o exigirem. Outro ponto para aperfeiçoar no debate.

Um quinto ponto certamente levantará fortes ruídos: a possibilidade de destinar bolsas de estudo para o ensino básico. A Constituição prevê bolsas no caso de falta de vagas no ensino básico. A nova proposta destina bolsas “aos interessados inscritos e selecionados, que demonstrarem insuficiência de recursos quanto houver instituições cadastradas, segundo requisitos definidos em lei, na localidade de residência do educando”. Complicado. O Brasil ganharia muito mais se os governos estaduais pudessem usar recursos públicos para financiar a oferta de ensino médio técnico/profissional em escolas privadas que se dedicassem exclusivamente a esse fim, inclusive as do Sistema S.

A transferência direta dos recursos do salário educação vai gerar protestos, mas também parece uma medida saudável, desde que acompanhada por uma flexibilização no uso dos recursos e radical simplificação nos mecanismos de prestação de contas. Ademais, irá exigir repensar o Programa Nacional do Livro Didático. Cabe alertar sobre o futuro do salário educação: será moeda de troca valiosa na discussão da reforma tributária. Cavalo de Troia?

Há diversos outros dispositivos que também podem afetar positivamente a educação. O mais importante é o que cria o mecanismo plurianual para planos e gastos, estimulando o planejamento e projetos de médio prazo, e evitando atropelos e gastos inadequados apenas para cumprir o calendário. Também é positivo o dispositivo que trata de

disciplinar a distribuição de recursos com base em indicadores de resultado. Idem no que se refere à extinção de municípios economicamente inviáveis. No caso da educação, o ponto de corte deveria ser 10 mil habitantes, tamanho equivalente a uma escola de porte economicamente eficiente. Importante tratar do acesso público aos dados. Mas, nesse caso, o proposto artigo (163) precisaria ser aprimorado para viabilizar o acesso dos pesquisadores aos microdados, sem se submeterem à tortura imposta por instituições como o Inep.

Resta a grande pergunta sobre o futuro do Fundeb. O governo não se sentiu em condições de acabar com todos os fundos constitucionais, nem com as vinculações e subvinculações. Certamente o assunto vai ressurgir logo no início dos debates da PEC e gerar sinais para a condução do tema. Isso poderá abrir espaço para repensar a motivação original do Fundeb - de reduzir desigualdades - e, com isso, criar um fundo único, sem subvinculações e com critérios mais eficazes para redistribuir os recursos.

A palavra agora está com o Senado Federal. A expectativa é que haja debates de alto nível, compatíveis com o tamanho do problema que se quer resolver e ousados o suficiente para entregar a estados e municípios, da forma mais flexível possível, meios e estímulos para promover a formação de capital humano do país. Isso abre a chance de termos mais Estados e municípios com mais cara de Brasil e menos cara de Brasília.

João Batista Oliveira é presidente do Instituto Alfa e Beto.