O Globo, n. 32656, 03/01/2023. Mundo, p. 18

Ênfase climática

Eliane Oliveira
André Duchiade


Em sua cerimônia de posse no cargo, o novo chanceler do Brasil, Mauro Vieira, destacou ontem a integração regional e ações na questão climática como promessas-chave de sua gestão. Vieira, embaixador com mais de quatro décadas de experiência que já ocupou o cargo durante o segundo governo de Dilma Rousseff, disse ter à frente uma “monumental tarefa de reconstruir nosso patrimônio diplomático”.

— Quero convidar a todos a unirem-se em torno desse grande projeto de política externa do presidente Lula, que há de trazer o Brasil de volta a um intenso protagonismo internacional, para que todos os brasileiros voltem a orgulhar se do seu país—afirmou na cerimônia à noite no Palácio do Itamaraty, em Brasília.

O antecessor de Vieira, o também embaixador Carlos França, foi o único dos ministros do governo de Jair Bolsonaro que compareceu à cerimônia de transferência do cargo. Ele descreveu seu sucessor como um “profissional experiente” e defendeu seu legado nas áreas ambiental, sanitária e econômica.

Diplomacia presidencial

Ao assumir há 20 meses, França de fato normalizou a retórica diplomática brasileira, antes resumida aos discursos exóticos de Ernesto Araújo, que na sua própria cerimônia de posse, em 2019, citou versos da Ave Maria em tupi e a banda Legião Urbana. A mudança, no entanto, não foi acompanhada por ações internas, e por isso pouco efeito teve para reduzir o isolamento internacional do país.

A este respeito, Vieira — que, lendo seu discurso, se esqueceu de agradecer a gentileza de França—prometeu que a nova política externa brasileira “é concebida como uma ampla tarefa que vai muito além da ação do Itamaraty, para alcançar o conjunto das políticas públicas brasileiras”.

— Todas, associadas a uma política externa vigorosa, são indispensáveis para garantir e projetar a nossa soberania e a defesa dos nossos interesses —afirmou Vieira.—Só seremos fortes se atuarmos a partir da visão ampla de um país comprometido como desenvolvimento sustentável, socialmente mais justo, politicamente mais maduro e reconciliado com suas melhores tradições de diálogo e de respeito.

Sobre os caminhos para retomar este protagonismo, o novo chanceler deu algumas pistas. De concreto, citou uma imediata volta do país ao Pacto Global de Migrações da ONU, cancelado por Bolsonaro em seus primeiros dias no Planalto. Ademais, citou “uma forte retomada da diplomacia presidencial”, inteiramente negligenciada ao longo dos últimos quatro anos. Falou também em “recompor relações bilaterais danificadas e retomar o protagonismo construtivo nos foros e organismos internacionais onde temos uma contribuição singular a oferecer”.

Uma ênfase forte foi dada à América do Sul e ao mundo em desenvolvimento. Segundo Vieira, “nossa ideologia na região será a ideologia da integração”. Ao conquistar a confiança dos vizinhos e do chamado Sul Global —em especial, a África — o país poderá projetar-se globalmente, sugeriu:

— O Brasil precisa reassumir a sua identidade de grande país sul-americano e em desenvolvimento, restabelecer a confiança na relação com nossos vizinhos e voltar a atuar como um país com interesses globais —disse Vieira, prometendo atenção especial à parceria estratégica com Argentina, Uruguai e Paraguai.

A respeito do tema ambiental, Vieira disse que Lula “deu o tom do que será sua política para a mudança do clima, reconstruindo as capacidades internas e retomando a cooperação internacional para alavancar o cumprimento de metas nacionais ambiciosas”.

— O Brasil tem todas as condições de consolidar-se como modelo de transição energética e economia debaixo carbono. Isso exigirá esforço interno, mas também uma ativa política de atração de investimentos—afirmou.

— Demandará recursos próprios, sem que deixemos de cobrar com firmeza a implementação, pelos países desenvolvidos,de seus compromissos em matéria de financiamento.

Pé de igualdade com EUA

Vieira descreveu o momento internacional como “um dos mais conturbados”, listando “tensões entre grandes potências e uma guerra dolorosa na Europa, que ampliaram o risco de escaladas imprevisíveis”. Esta foi a única menção à guerra na Ucrânia em seu discurso, e não ficou clara qual será a sua política a este respeito.

China e EUA apareceram de forma breve. Como país asiático, Vieira disse que buscará novas áreas de cooperação em temas de interesse do Brasil, como mudança do clima, ciência, tecnologia e inovação. Já em relação aos EUA, o chanceler afirmou querer “dinamizar nosso relacionamento econômico e atrair investimentos”, mas ressaltou haver também diferenças:

— Queremos relações em pé de igualdade, baseada sem valores e interesses comuns, sem qualquer preconceito sobre temas e assuntos, e isentas de alinhamentos automáticos. Trataremos de maneira madura eventuais diferenças, naturais em uma relação com essa importância e densidade.

— Teremos de saber operar nesse ambiente, com uma crise de governança global sem precedentes, agravada pela paralisação de mecanismos como a Organização Mundial do Comércio e o próprio Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas.