Valor Econômico, v. 20, n. 4875, 07/11/2019. Brasil, p. A10

Sob nova regra, 21% das cidades seriam extintas
Marta Watanabe
Álvaro Fagundes
Marcos de Moura e Souza


Caso as regras para extinção de municípios já estivessem valendo, dos 1.253 municípios com até 5 mil habitantes, 1.154 deixariam de existir. Esses municípios tiveram em 2018 arrecadação de impostos, taxas e contribuição inferior a 10% das receitas correntes. Ou seja, restariam apenas 99 prefeituras. Destas, não foram considerados 28 municípios que não possuem dados sobre as receitas de 2018 disponíveis no sistema da Secretaria do Tesouro Nacional (STN).

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Pacto Federativo do governo federal prevê a extinção, a partir de janeiro de 2025, de municípios de até 5 mil habitantes sem “sustentabilidade financeira”. Segundo o texto da PEC, a sustentabilidade deve ser comprovada com a arrecadação de três tributos: o imposto sobre serviços (ISS), o de transmissão de bens imóveis inter vivos (ITBI) e o de propriedade predial e urbana (IPTU). Segundo a PEC, o resultado dessa arrecadação deve ser de no mínimo 10% da receita total. A comprovação de ser feita até 30 de junho de 2023.

A proposta foi alvo de críticas ontem da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Em nota, o presidente da entidade, Glademir Aroldi, prometeu colocar o peso da CNM e do movimento municipalista para “suprimir completamente” o texto da proposta durante sua tramitação no Congresso.

Na saída do Palácio da Alvorada ontem, o presidente Jair Bolsonaro comentou o assunto após um dos apoiadores dizer que é vereador. Mesmo não tendo sido questionado sobre a medida, afirmou que “o povo que vai decidir” sobre a extinção de municípios de baixa população.

“Abusaram no passado, tem município que vive graças ao Fundo de Participação dos Municípios, não tem renda, não tem nada”, argumentou. “A população vai ter que concordar com isso aí, ninguém vai impor nada não”, declarou, sem dar mais detalhes.

A PEC do governo federal diz que na extinção de municípios proposta, não se aplica o parágrafo quarto do artigo 18 da Constituição. Esse dispositivo é o que estabelece, na criação e incorporação de municípios, além de lei estadual, consulta prévia, mediante plebiscito, às populações das cidades envolvidas.

A maior parte dos municípios com até 5 mil habitantes está longe de atingir o mínimo proposto pela PEC. Pelo levantamento do Valor, a arrecadação com impostos e contribuições de 778 municípios chega ao máximo de 5% das receitas. Se considerada a faixa com arrecadação de até 7% das receitas, são 1.036 municípios, cerca de 82% do total dos pequenos municípios. O levantamento mostra ainda que, além dos 1.154 municípios que seriam extintos se as regras valessem hoje, outros 20 municípios ficariam na “corda bamba”, com arrecadação acima de 10% e abaixo de 11% das receitas.

Ao todo, um em cada cinco municípios brasileiros teria de ser incorporado a outros, atingindo uma população de 3,8 milhões (1,8% do total do país). O Estado mais afetado seria o Rio Grande do Sul, com a extinção de 222 cidades (44,7% das localidades), seguido por Minas Gerais, com 208 (24,4%). Em Tocantins desapareceriam 66 municípios, que representam 47,5% do total do Estado. Pelo texto da PEC, os municípios serão extintos e incorporados pela cidade com melhor índice de sustentabilidade financeira. Cada município poderia incorporar até três cidades.

O levantamento do Valor cruzou dados de população do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com os números de receita dos relatórios de execução orçamentária fornecidas pelas próprias prefeituras ao Tesouro. Foram consideradas as receitas com impostos, taxas e contribuições, o que pode ter elevado o valor da receita própria em relação ao estabelecido pela PEC. A comparação foi feita em relação à receita corrente dos municípios.

Caso fosse adotado um conceito mais amplo do que o estabelecido pela PEC como receita própria, abrangendo todas as receitas correntes, exceto as transferências, dos 1.253 municípios, 822 seriam extintos. Foram considerados a estimativa de população do IBGE para 2019 e os relatórios fiscais encerrados em dezembro de 2018. Os dados do Tesouro foram extraídos ontem do balanço orçamentário do relatório de execução orçamentária.

Ontem a CNM classificou a proposta de extinção dos municípios como “grande equívoco” e “falta de conhecimento da realidade brasileira”. A entidade divulgou seus cálculos sobre o impacto da medida. A entidade considerou 1.252 municípios com até 5 mil habitantes. As cidades, segundo o levantamento, estão sobretudo nas áreas rurais e representam 22,5% das cidades brasileiras. Desses, 1.220 (ou 97%) não atingiriam o limite de 10% dos impostos sobre suas receitas totais, segundo a entidade.

Pela lista feita pela CNM, 233 municípios de Minas Gerais poderiam ser extintas pelo critério da PEC. “A análise de uma cidade não pode ser realizada dessa forma [população e arrecadação de impostos municipais]. Os principais indicadores a serem considerados devem ser a população e os serviços públicos prestados”, afirma na nota Glademir Aroldi.

Ele também critica o conceito de receita própria estabelecido pela PEC, por considerar apenas a arrecadação com impostos. A confederação argumenta ainda que a emancipação e a fusão de municípios são mandamentos do constituinte originário e só podem ser realizadas mediante plebiscito, ouvindo as comunidades envolvidas. Dessa forma, proposta em contrário, defende a entidade, fere o princípio federativo, que é cláusula pétrea no ordenamento constitucional. De acordo com Aroldi, “a CNM e todo o movimento municipalista atuarão fortemente para que, durante o processo legislativo, essa redação seja completamente suprimida”. (Colaborou Matheus Schuch, de Brasília)