Valor Econômico, v. 20, n. 4875, 07/11/2019. Brasil, p. A8

Divisão dos royalties do petróleo deve obedecer a princípios de boa gestão

Lu Aiko Otta
Edna Simão


O governo federal vai propor boas condutas como critério para dividir entre os Estados os R$ 400 bilhões em recursos de royalties de petróleo nos próximos 15 anos.Os recursos servirão para estimular práticas como a manutenção do equilíbrio fiscal, melhores resultados em políticas públicas para saúde e educação e bons marcos regulatórios em infraestrutura.

O critério deverá constar de uma proposta de lei, ainda em elaboração, que vai detalhar como uma parcela maior do dinheiro do petróleo da União será dividida com Estados e municípios. Uma fatia, ainda em definição, será distribuída da mesma forma como são distribuídos hoje os recursos da Lei Kandir e do Fundo de Apoio às Exportações (Fex). O restanrestante vai premiar unidades da federação bem administradas.

Essa lei será uma das regulamentações necessárias após a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 188, também chamada de Pacto Federativo ou Mais Brasil. Um de seus artigos diz que o repasse dos recursos dos royalties só será implementado para os Estados que renunciarem a ações judiciais a respeito de ressarcimentos a serem pagos pela UUnião por causa dos efeitos da Lei Kandir.

A intenção, porém, é mais ampla, segundo informou o diretor de Programa da Secretaria Especial de Fazenda Gustavo Guimarães. É retirar da mesa não só os contenciosos da Lei Kandir, como também ações que pedem aumento nos repasses do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e outras reclamações do tipo.

“A ideia é que os Estados não demandem mais recursos pela via judicial”, informou. A proposta é limpar a mesa dos contenciosos e inaugurar uma nova relação. Os Estados não pressionam mais por dinheiro, e em troca a União transfere uma parte do que seriam seus recursos a governadores e prefeitos.

“Não queremos contratar crise fiscal futura”, disse. “O governo quer aproveitar essa janela de oportunidade para ver se resolve o problema do contencioso.”

Esse acordo deve ser sacramentado em um contrato a ser assinado pela União, por todos os Estados, por representantes do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Legislativo. Os termos estão em negociação.

Os Estados alegam, no STF, que a União lhes deve R$ 39 bilhões por ano por causa de perdas provocadas pela Lei Kandir. Essa legislação, aprovada em 1996, regulava o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e, entre outros pontos, retirava sua incidência sobre as exportações de produtos básicos e semielaborados. E determinava o ressarcimento, pela União, de perdas decorrentes dessa alteração, por um período de transição de seis anos. A expectativa era que, ao fim desse período, as receitas já estariam recuperadas.

A arrecadação dos Estados exportadores, de fato, se recuperou. Mas a compensação não foi extinta. Em 2003, foi trocada por um repasse de valor fixo (R$ 3,9 bilhões ao ano), que então já não tinha nenhuma relação com o desempenho da arrecadação estadual.

Os dispositivos da Lei Kandir foram transplantados para a Constituição, inclusive os repasses, que passaram a integrar as disposições transitórias contendo, inclusive, uma previsão para seu fim. Lá também está previsto que uma lei complementar regularia esses dispositivos. Essa lei nunca foi proposta.

Os Estados entraram no STF com várias ações alegando perdas e pedindo ressarcimento da União, mas não obtiveram sucesso. Entraram, então, com ação reclamando da falta da lei complementar. No ano passado, o Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu que nada mais seria devido aos Estados.

O caso deveria ter tido decisão final em fevereiro, mas foi dado um prazo adicional de um ano. O advogado-geral da União, André Mendonça, propôs um grupo de alinhamento. É nesse grupo que as discussões caminham para esse acordo.

Guedes propôs aos Estados esquecerem a disputa, diante da perspectiva de aumento de receitas com o petróleo. Assim, a proposta é que uma parcela seja distribuída conforme a Lei Kandir e o Fex, como já é feito atualmente. E o restante, por outro critério.

Esse outro critério poderia ser o mesmo do FPE, como será feito com os recursos dos excedentes da cessão onerosa. “Mas achamos que não faz sentido usar o critério do FPE, que é ultrapassado”, afirmou Guimarães.