Valor Econômico, v. 20, n. 4875, 07/11/2019. Brasil, p. A6

Pacote eleva confiança no ajuste, dizem analistas

Anaïs Fernandes

O conjunto de medidas fiscais apresentadas anteontem pelo governo traz maior segurança para a continuidade do processo de ajuste fiscal já em curso, mesmo sem gerar grandes mudanças nas perspectivas de cumprimento do teto de gastos ou de melhora mais rápida do resultado primário, avaliam especialistas.

As expectativas recaem sobretudo sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) chamada de emergencial, que permitirá o acionamento de uma série de gatilhos, como redução da jornada de servidores, para União, Estados e municípios cortarem despesas por dois anos, quando sua saúde financeira estiver muito comprometida. Além dessa PEC, o governo anunciou outra mais ampla, que mexe no pacto federativo e uma outra, para rever fundos públicos.

“A PEC Emergencial vai em um sentido mais de curto prazo de permitir controle de gastos obrigatórios. Passa a ser mecanismo fundamental para ajudar no cumprimento do teto de gastos e da ‘regra de ouro’”, diz Fabio Klein, analista de finanças públicas da Tendências Consultoria.

A “regra de ouro” impede que o governo faça dívidas para pagar despesas correntes, como salários, aposentadorias e gastos de custeio da máquina pública. Já o teto de gastos, em vigor desde 2017, limita o crescimento das despesas do governo num ano à inflação do ano anterior.

“O teto diz que o governo não pode gastar além da inflação passada, mas o cumprimento dessa regra leva quase necessariamente à redução do investimento. Como continua havendo déficit primário corrente, teria que emitir dívida para pagar, mas aí fura a regra de ouro. 

A PEC Emergencial permite compatibilizar melhor essas duas regras, criando gatilhos de controle para o crescimento dos gastos obrigatórios, diminuindo o déficit e abrindo espaço para investimento”, afirma Klein.

Cálculos da Tendências já apontavam um cumprimento do teto de gastos sem riscos significativos até 2022, considerando os impactos da reforma da Previdência, aprovada em outubro, e a mudança na correção do salário mínimo, que passaria a ser apenas pela inflação, segundo proposta orçamentária do governo para 2020.

“O grande movimento foi a reforma da Previdência. É uma medida importante e que pesa muito para conter gastos obrigatórios. Sem a reforma, dificilmente seria possível cumprir o teto nos próximos dois ou três anos. Complementada pelo pacote emergencial, fica mais fácil”, diz Klein.

A reforma da Previdência e a medida provisória para coibir fraudes no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) encaminharam metade do desafio fiscal do país, que é voltar a ter superávit primário de pelo menos 1% do Produto Interno Bruto (PIB), para estabilizar a trajetória da dívida, segundo Pedro Schneider, economista do Itaú Unibanco. O que as medidas apresentadas agora fazem, diz ele, é ratificar e ampliar gatilhos fiscais presentes, em boa medida, na emenda do teto ou no projeto orçamentário. “Mas vão além e entram no ajuste a nível dos entes subnacionais”, acrescenta.

Schneider lembra que a possibilidade de segurar a progressão na carreira do funcionalismo, por exemplo, está prevista em caso de estouro do teto de gastos do governo federal, mas há dificuldade para acionar tais gatilhos. Com a aprovação da PEC emergencial, esse e outros mecanismos ganham garantias. “Se as medidas do lado fiscal forem executadas para 2021 e 2022, o governo vai conseguir cumprir com tranquilidade o teto até 2022, e aí volta a registrar ligeiro superávit”, afirma.

Esse cenário de adequação ao teto também já estava no horizonte do Itaú Unibanco. “Para a nossa projeção [de alinhamento ao teto], o impacto [da aprovação das medidas] é neutro. Mas a PEC dá maior robustez e segurança de que o ajuste fiscal pelo lado do gasto vai continuar.”

A boa perspectiva de adequação dos gastos gera também expectativa positiva para a queda dos juros, observa Schneider. “Já argumentamos há algum tempo que o teto trouxe uma consequência muito positiva em termos de taxa de juros neutra [aquele quer permite a economia crescer sem pressionar a inflação].” O espaço para juros menores é positivo “para todo o mundo”, ele acrescenta, citando o esforço necessário menor que o governo teria para estabilizar sua dívida.

Alberto Ramos, diretor de pesquisa para América Latina do Goldman Sachs, destaca não só a contenção de despesas, mas também oportunidades para gestores locais administrarem seus recursos de forma mais flexível. “É importante promover também melhora na qualidade e eficiência no gasto”, afirma.

O governo propõe, por exemplo, unificar os limites mínimos estabelecidos para investimentos em saúde e educação.