O Globo, n. 32712, 28/02/2023. Política, p. 8

Com loja, ex-presidente repete “modelo Trump”

Luísa Marzullo


Nos moldes do que foi feito pelo ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, o ex-presidente Jair Bolsonaro lançou, na internet, uma loja de produtos em sua própria homenagem. O anúncio foi feito no domingo por um de seus filhos, o deputado Eduardo Bolsonaro (PLSP), nas redes sociais. Durante todo o mandato, Bolsonaro se espelhou no colega americano, inclusive ao ser derrotado nas urnas.

De acordo com Eduardo Bolsonaro, o item mais cobiçado da versão brasileira é um calendário com fotos do pai durante sua passagem pelo Palácio do Planalto — a mensagem gerou ironias com o fato de o lançamento ocorrer já no fim de fevereiro. Os calendários são os produtos mais baratos disponíveis: o de mesa custa R$ 49,90, e o de parede, R$ 59,90. Também há caneca de chope e tábua de madeira, ambas com a estampa: “Nosso sonho segue mais vivo do que nunca!”.

Já na Trump Store o ex-presidente dos EUA vende chocolates, bonés, formas de gelo, além de lembranças de sua passagem pela Casa Branca.

— É uma tentativa de reproduzir o trumpismo na vitória e na derrota e construir uma temporalidade bolsonarista. É um convite, aos eleitores, para abrir mão da realidade concreta e investir no ressentimento. Uma ideia de que a derrota não ocorreu — analisa o doutor em história social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Michel Gherman.

O site está registrado em nome da empresa de cursos de Eduardo, cujos titulares são o próprio deputado e sua mulher, Heloísa Bolsonaro. O texto de apresentação afirma que a loja surgiu para “manter vivo na memória boa parte dos feitos do presidente Bolsonaro”.

Assim como o ex-titular do Palácio do Planalto, Trump questiona o resultado da eleição na qual não conseguiu se reeleger. O ex-presidente dos EUA chegou a sugerir, no ano passado, que a única maneira de anular as eleições de 2020 seria o fim da Constituição. Já houve troca mútua de elogios —em 2022, o americano declarou apoio à reeleição do brasileiro.

Ao longo de todo o seu mandato, Bolsonaro e sua base sempre replicaram as atitudes de Donald Trump. Assim como o americano, Bolsonaro já chegou ao poder semeando dúvidas sobre as urnas eletrônicas. Um ano após a posse, o então presidente afirmou “ter provas”, embora não as tenha apresentado, de que teria sido eleito no primeiro turno das eleições de 2018.

Às vésperas das eleições, os agora ex-presidentes convocaram apoiadores para fiscalizarem o pleito.

— Estou pedindo aos meus apoiadores que compareçam aos locais de votação, observem com muita atenção. Se for uma eleição justa, estou 100% a favor. Mas se vejo dezenas de milhares de cédulas sendo manipuladas, não posso concordar —disse Trump em debate contra Joe Biden, em frase que foi repetida quase na íntegra por Bolsonaro ao longo do período eleitoral.

Derrota ignorada

Na madrugada seguinte às eleições americanas, Trump alegou que teria ocorrido fraude na disputa. Mais contido, Bolsonaro demorou 45 horas para se manifestar — na declaração, não parabenizou Lula, ignorou a própria derrota, mas autorizou o início da transição de governo.

A atitude se manteve até a posse, quando os dois romperam com a tradição e não passaram a faixa para seus sucessores. Nos EUA, Trump foi o primeiro em 150 anos, enquanto Bolsonaro foi o único após a redemocratização.

Como resultado da tensão pós-eleitoral, os ânimos se exaltaram nos dois países. A invasão ao Capitólio no dia 6 de janeiro de 2021 ganhou uma versão brasileira ainda mais violenta. No dia 8 de janeiro, apoiadores radicais de Bolsonaro depredaram as sedes dos três Poderes.