O Globo, n. 32712, 28/02/2023. Política, p. 4

Sob poder supremo

Mariana Muniz


O ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes decidiu ontem que integrantes das Forças Armadas e policiais militares envolvidos nos ataques às sedes dos três Poderes, no dia 8 de janeiro, serão julgados pelo STF e não pela Justiça Militar. Além disso, ele determinou a abertura de um inquérito para apurar a participação desses servidores nos atos golpistas.

Moraes listou alguns dos crimes que podem ter sido cometidos por militares. Entre eles estão atos terroristas, ameaça, perseguição, dano, incitação ao crime, incêndio majorado, associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.

O ministro tomou a decisão em um requerimento feito pela Polícia Federal, que ouviu PMs durante as investigações sobre as invasões ao Congresso, Palácio do Planalto e STF, ocorridas no mês passado em Brasília. De acordo com a PF, os policiais ouvidos indicaram “possível participação/omissão dos militares do Exército Brasileiro, responsáveis pelo Gabinete de Segurança Institucional e pelo Batalhão da Guarda Presidencial”. “Fixo a competência do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar os crimes ocorridos em 8/1/2023, independentemente de os investigados serem civis ou militares e defiro a representação da Polícia Federal e autorizo a instauração de procedimento investigatório”, escreveu Moraes.

Ao rechaçar a tese de que o caso deveria tramitar na Justiça Militar, o magistrado argumenta que o Código Penal Militar “não tutela a pessoa do militar, mas, sim, a dignidade da própria instituição das Forças Armadas”. Em outras ocasiões, o Supremo já havia estabelecido que a Justiça Militar não julga “crimes de militares”, mas “crimes militares”.

“Nenhuma das hipóteses definidoras da competência da Justiça Militar da União está presente nessa investigação”(...), notadamente porque os crimes investigados não dizem respeito a bem jurídico tipicamente associado à função castrense”, escreveu o ministro.

Crítica pública

O entendimento de Alexandre de Moraes aumenta os desgastes à imagem dos militares provocados pelos ataques golpistas do dia 8. Tanto policiais militares do Distrito Federal quanto integrantes das Forças Armadas são suspeitos de terem sido omissos e lenientes com as investidas golpistas.

Até o início deste mês, já haviam sido identificados 21 militares que de alguma maneira teriam participados dos atos. Entre eles estão um bombeiro, integrantes do Exército, um oficial da Marinha e um ex-cabo da Aeronáutica, além de PMs da capital.

As determinações do Supremo se somam a outras medidas já adotadas para responsabilizar membros da caserna. Algumas das mais incisivas partiram de outro Poder, o Executivo, que substituiu militares que ocupavam postos estratégicos. Logo após os ataques, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que a invasão ao Planalto contou com a benevolência de militares e que estava convencido de que a porta do Palácio havia sido aberta aos golpistas.

— Alguém facilitou a entrada deles aqui. Nós vamos com muita calma investigar e ver o que aconteceu de verdade — declarou o petista durante café da manhã com jornalistas em janeiro.