Valor Econômico, v. 20, n. 4873, 05/11/2019. Valor Investe, p. C8

Bancos centrais não resolvem todos os problemas

Evandro Buccini


Em outubro de cada ano, acontece a reunião anual do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, normalmente em Washington. Em paralelo, há eventos e palestras com as autoridades para discutir a conjuntura dos principais países e temas estruturais de longo prazo.

A relativa calma de alguns anos atrás, quando parecia chegar o momento de normalização da política monetária dos países desenvolvidos, foi substituída por muitas dúvidas do que fazer para evitar uma desaceleração nas principais economias do mundo. Há dois anos, o principal tema discutido foi o estado da relação entre inflação e desemprego, algo bastante técnico para mostrar que está difícil explicar a baixa inflação atualmente com os mesmos indicadores que no passado.

Havia um otimismo enorme com Argentina e Brasil. O primeiro foi eterno enquanto durou e o segundo teve um retorno interessante para os que tiveram estômago para enfrentar a eleição de 2018. Já este ano, havia mais dúvidas do que respostas. Há quase um consenso de que os BCs fizeram o que podiam. Os juros devem ficar baixos por um período mais longo do que se imaginava. Os problemas agora transcendem a esfera de influência da política monetária. A política fiscal seria o próximo instrumento a ser utilizado, mas há uma divisão entre os que acreditam que há espaço para estímulos fiscais, em um ambiente de juros muito baixos, e outros que se preocupam que o endividamento dos principais países está elevado.

Há acordo com relação ao espaço fiscal na Alemanha, que, apesar disso, reluta em utilizá-lo. Os governos dos desenvolvidos devem se voltar para reformas estruturais para permitir aumento do crescimento potencial. Está cada vez mais claro que o conflito comercial entre China e EUA é só uma face de uma disputa mais ampla que envolve disputas tecnológicas e influência em diversas regiões do mundo. Não há expectativa de escalada desse conflito, mas também não parece haver espaço para uma solução definitiva. A necessidade de enfrentar a China é um consenso entre os políticos de ambos os partidos nos EUA. O crescimento da China já está diminuindo e a retração do comércio acelera esse processo.

A eleição nos EUA em 2020 pode ser a primeira na história recente a causar uma volatilidade nos ativos de risco (os efeitos da eleição de Trump foram de apenas alguns dias). Atualmente, a senadora Elizabeth Warren é favorita para ganhar a nomeação do Partido Democrata para concorrer com o atual presidente, Trump.

Suas posições a favor de mais regulações em bancos e em empresas de tecnologia e de maior intervenção do Estado na economia podem fazer com que o preço de alguns ativos caia. Ainda há muito tempo até a definição do candidato e muitos planos da senadora ainda não têm detalhes, mas a maior parte dos consultores de Washington, ligados a ambos os a partidos, acredita que hoje Trump é favorito nessa disputa.

Caso a economia mundial entre em um período mais prolongado de baixo crescimento, uma preocupação é o alto nível de endividamento das empresas. Um relatório do FMI chamou a atenção principalmente para a situação da China e dos EUA. A maioria dos analistas e oficiais presentes não compartilhou da preocupação do FMI.

Nos EUA, o endividamento é fruto dos baixos juros e as empresas estão conseguindo refinanciar a dívida existente e alongar o perfil de pagamentos. Em cenário de piora prolongada pode haver “downgrade” de parte relevante das empresas, mas as maiores devem se safar cortando dividendos e “buybacks” e se manter e se manter acima do nível crítico, “BBB”. Apesar de não haver um enorme apetite a risco, a maioria dos investidores estava interessada em países emergentes, em especial Argentina e Brasil, mais uma vez. A Argentina atrai aqueles com maior apetite a risco, pois os ativos estão muito descontados. 

A maior discussão é sobre uma renegociação da dívida e a maioria acha que o “haircut” será menor do que 50%. O Brasil agrada pela passagem de reformas estruturais, principalmente a da Previdência, e o amplo espaço para corte de juros que o BC aproveitou e ainda deve continuar. Apesar disso, com o déficit fiscal ainda elevado, as agências de rating não estão próximas a melhorar a nota do Brasil. Pouca atenção para a Índia, que enfrenta problemas de liquidez no sistema bancário, desaceleração de crescimento e aumento do desemprego.

Evandro Buccini é diretor de renda fixa e multimercados da Rio Bravo

E-mail: evandro.buccini@riobravo.com.br

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