Valor Econômico, v. 20, n. 4873, 05/11/2019. Opinião, p. A12

Ajuste de municípios e Estados fica para trás



Nos próximos dias, um amplo e ambicioso pacote de medidas deve ser enviado pelo governo federal ao Congresso. De acordo com informações apuradas pelo Valor, o pacote inclui o corte de incentivos tributários, mirando especialmente o Simples e a cesta básica; definir a caracterização da emergência fiscal com gatilhos para reduzir as despesas; promover a desvinculação dos cerca de 280 fundos setoriais que deixam de ter suas receitas destinadas a despesas específicas e vão compor as verbas discricionárias do Orçamento; propor o pacto federativo e a reforma administrativa, entre outros pontos.

Essas medidas pretendem dar sequência às reformas econômicas após a aprovação das novas regras da Previdência, mas devem caminhar em velocidades diferentes seja pela necessidade consenso em torno delas ou porque dependem de instrumentos diferentes. Algumas terão implicação ampla. Uma delas é a reforma administrativa, que a área econômica pretende que seja estendida também a Estados e municípios, e incluirá a criação da contratação por meio de um sistema alternativo ao regime jurídico único, incluindo período de estágio probatório e prazo adicional antes de garantir direito à estabilidade para algumas carreiras. Os salários iniciais devem ser mais baixos e as promoções mais lentas.

Estados e municípios também podem ser incluídos na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que caracterizará o quadro de emergência fiscal e permitirá o acionamento de “gatilhos” para cortar despesas, com a redução da jornada de trabalho e dos salários dos servidores, ou suspensão de reajustes acima da inflação.

Mas nada disso será suficiente para livrá-los do aperto em que se encontram, até porque muitas medidas terão efeito a longo prazo e os problemas de muitos deles são de curtíssimo prazo, como falta de recursos para pagar salários de ontem ou despesas de custeio.

Levantamento do Relatório de Gestão Fiscal do Tesouro mostrou que, já nos primeiros oito meses deste ano, seis Estados ultrapassaram o limite máximo de gastos com pessoal fixado em 49% da receita líquida pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).  São eles o Rio Grande do Norte (65%), Minas Gerais (62%), Mato Grosso (58%), Acre (55%), Amazonas (51%) e Paraíba (50%). De acordo com o Tesouro, Piauí (49%) atingiu o limite, mas não o ultrapassou (Valor 24/10). Além disso, 20 unidades da federação ficaram acima do limite de alerta de 44,1% da receita líquida.

Dois Estados estouraram o teto definido para a dívida consolidada líquida pelo Senado em duas vezes a Receita Corrente Líquida (RCL): no Rio Grande do Sul, o percentual ficou em 226%; e, no Rio de Janeiro, em 283%. Estão próximos do limite também São Paulo (173%) e Minas Gerais (190%). Os municípios também vivem tempos de aperto, acentuado pelo aumento da demanda da população por serviços públicos nas áreas de educação e saúde, em consequência do aumento do desemprego e da queda da renda. Outro levantamento publicado pelo Valor (31/10) mostra a pressão dos gastos com inativos, que cresceu 6,34% em termos reais nas 26 capitais, de agosto de 2018 para o mesmo mês deste ano. O percentual foi o triplo dos gastos com ativos, que foi de 1,94% em termos reais no mesmo período.

Apesar dessa situação calamitosa, nenhum outro Estado aderiu aos planos de ajuste desenhados pelo governo federal depois do Rio. Há negociações e conversas do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Goiás, mas esbarram nas exigências de privatização e outras medidas de ajuste. Em alguns a situação ainda não é crítica porque conseguiram liminares para suspender o pagamento da dívida junto à União e de precatórios. É o caso do Rio Grande do Sul, que admite que ainda estaria pagando os salários de fevereiro se estivesse em dia com esses outros compromissos.

Depois de terem ficado de fora do ajuste da Previdência por divergências políticas, alguns Estados se esforçam para sair do nó causado por despesas elevadas e queda de arrecadação propondo suas próprias mudanças de regras. Metade dos Estados avalia reforma própria para aposentadoria de seus servidores, seguindo as regras fixadas para os funcionários federais (Estado 4/11). Outros pensam em parcelar o ICMS atrasado já no primeiro ano de governo (Valor 4/11). Mas sabe-se que nem todos governantes estão empenhados em mudar. O risco já conhecido é que o problema continue, como sempre caindo no colo do governo federal.