Valor Econômico, v. 20, n. 4872, 02/11/2019. Empresas, p. B2

Brasil é lento na transformação digital

Stela Campos


O Brasil está mais atrasado na transformação digital que outros países da América Latina. Enquanto no México, Colômbia e Argentina, o assunto ocupa a pauta dos executivos há pelo menos seis anos, por aqui a discussão é recente e vem entrando na lista de prioridade das empresas apenas nos últimos três anos.

Mas existe um esforço neste momento para acelerar essas mudanças no país. Em pesquisa realizada com 600 executivos da região, 85% dos brasileiros afirmaram que a transformação está acontecendo neste momento em suas companhias.

O levantamento foi realizado com representantes do alto escalão latino-americano, sendo 17% CEOs e 51% diretores, a maioria de multinacionais de setores como consumo, farmacêutico, serviços, financeiro, indústria e tecnologia. “Tínhamos a impressão que o Brasil estava mais avançadoneste processo mas a curva de transformação ainda é lenta. Demos apenas os primeiros passos”, diz Juan Pablo Correa, sócio da Exec, que coordenou o estudo no Brasil para a Panorama Search, rede de consultorias global, que reuniu ainda a Glue na Argentina e a Talengo no México e Colômbia.

A questão cultural é a maior dificuldade apontada por 33% dos executivos da região, sendo uma barreira mais forte na Colômbia, onde foi citada por 50% dos participantes. Em seguida, aparecem como empecilhos para 29% dos entrevistados, a falta de uma plano de negócios estruturado e de uma estratégia definida - problemas que no Brasil estão mais acentuados tendo sido mencionados por 38% e 44%, respectivamente. No geral, 28% dos dirigentes disseram que falta também agilidade organizacional e 24% reclamam de não contarem com o apoio do CEO e dos acionistas. No Brasil, esses dois aspectos foram apontados por 31% dos entrevistados.

“Embora a cultura seja umas das maiores barreiras, o estudo mostra que as áreas que estão recebendo investimentos com menor frequência são justamente as de recursos humanos e supply chain”, diz Correa. Metade dos entrevistados, afirmou que os investimentos em suas companhias estão sendo dirigidos prioritariamente para área de TI. “Quem recebe mais recursos consegue decidir mais rápido. É contraditório que justamente quem pode reforçar a cultura esteja recebendo menos”, afirma. Em todos os países os processos de transformação digital são liderados pelas áreas de tecnologia, marketing e RH.

O fator humano frente à transformação tecnológica

Mais de 30% dos executivos da região disseram que suas empresas já possuíam uma estratégia para promover a transformação digital e que ela foi comunicada, mas apenas 10% afirmaram que suas companhias apresentam um comportamento digital. 

No Brasil, só 4% percebem essa aderência ao digital. “Quebrar as estruturas e os modelos tradicionais para implementar novas metodologias de trabalho faz parte do desafios da área de recursos humanos para mudar essa maneira de pensar na organização”, diz o consultor.

Em todos os países, quase metade dos executivos reconhece as lideranças internas que estão conduzindo a transformação. O Brasil é o único país em que o número de entrevistados que não reconhece formalmente essa liderança supera o número das que a reconhecem. Segundo os brasileiros, o país foi o que menos preparou líderes digitais. Enquanto 71% dos mexicanos, 66% dos argentinos e 56% dos colombianos apostaram nessa formação, apenas 53% dos brasileiros disseram ter feito isso.

Praticamente em todas as companhias latino-americanas, segundo Correa, falta medir qual o ponto de partida para o ensino de habilidades digitais para os funcionários. “É preciso entender o nível de consciência digital da organização”, diz. Para 88% dos entrevistados, a contratação de novos talentos com perfil digital foi apontada como uma necessidade, sendo que este percentual sobe para 92% no caso dos colombianos. Entre brasileiros, 88% disseram o mesmo.

Mas para atrair profissionais com esse perfil, segundo Corrêa, a pesquisa indica que é preciso melhorar a proposta de valor que a empresa oferece. Para 72%, um fator de atração para esses funcionários é o desenvolvimento profissional - 54% citaram a possibilidade de ter um trabalho flexível. “É preciso parar de pensar com a cabeça voltada para uma estrutura tradicional, o que implica em ser mais ágil e flexível, inclusive, na forma de remunerar os profissionais.”

Mesmo com 41% dos executivos dizendo que estão buscando pessoas com perfil digital no mercado, 36% preferiram investir na formação de equipes já existentes, principalmente, por meio do ensino via multiplataformas. Para Corrêa, o que surpreende é que 13% não estão fazendo qualquer tipo de esforço para adquirir habilidades digitais para sua companhia.

Apenas fazer parte desses processos de digitalização, por mais complicado e demorado que eles possam ser, já é motivo para comemorar. Para 96% dos executivos entrevistados, ter a oportunidade de trabalhar em organizações que estão se transformando digitalmente é muito importante. Os mexicanos são os que mais enfatizam essa questão (61%), seguidos pelos argentinos (59%), brasileiros (56%) e colombianos (48%).