O Globo, n. 32708, 24/02/2023. Política, p. 6

CGU vê irregularidade em obra ligada a Alcolumbre

Patrik Camporez


Em dezembro de 2020, nos seus últimos dias como presidente Senado, Davi Alcolumbre (UniãoAP) destinou uma emenda de R$ 71 milhões à Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), estatal comandada pelo Centrão, grupo político ao qual ele é ligado. O dinheiro, proveniente do orçamento secreto, foi usado na contratação da construtora Engefort para a realização de obras de pavimentação em cidades do Amapá. Passados dois anos, a Controladoria-Geral da União (CGU) identificou indícios de superfaturamento nos dois contratos firmados com a empresa, que somam R$ 54 milhões.

À época, Alcolumbre era um dos principais aliados do então presidente da República, Jair Bolsonaro. Reflexo dessa proximidade, o senador tinha participação direta na partilha dos recursos do orçamento secreto, o instrumento por meio do qual deputados e senadores destinavam verbas da União a seus redutos eleitorais sem precisar se identificar. Os contratos da Engefort que entraram na mira da CGU foram assinados em 16 de junho de 2021 pelo presidente da Codevasf, Marcelo Moreira, indicado ao cargo por caciques do Centrão, entre eles o deputado Elmar Nascimento (União-BA), correligionário de Alcolumbre. A empresa foi selecionada ao vencer duas licitações da estatal.

24 irregularidades

O relatório da CGU, divulgado no dia 10 deste mês, aponta 24 irregularidades nas obras feitas pela empreiteira em diferentes municípios amapaenses. Cita, por exemplo, o uso de produtos de qualidade inferior à prevista no contrato; o pagamento por serviços que a Engefort não comprovou ter prestado; e o superdimensionamento do material necessário para o trabalho. Os fiscais calculam um potencial prejuízo de R$ 1,9 milhão até agora.

Procurado, o senador argumentou que todo o processo de seleção da empresa e execução das obras são de responsabilidade da Codevasf. Já a estatal informou que está analisando o relatório da CGU e que vai acatar as sugestões. Também anunciou que fará uma auditoria interna para averiguar o caso em questão. A Engefort não retornou os contatos feitos pelo GLOBO.

De acordo com a Controladoria, a Codevasf fez “manipulações indevidas na planilha contratual para R$ 71 milhões Foi o valor que Alcolumbre destinou à Codevasf em 2020, durante seus último dias como presidente do Senado, via orçamento secreto. Estatal é comandada pelo Centrão pagamento à contratada” e “aprovou projetos com erros grosseiros de dimensionamento”. “Os achados possuem capacidade de reduzir a qualidade das obras executadas e aumentar os riscos aos quais a estatal está sujeita, podendo implicar em prejuízos financeiros à administração pública”, diz trecho do documento.

A CGU implica ainda a Superintendência da Codevasf do Amapá, que foi inaugurada em março do ano passado e é comandada por Hilton Cardoso, indicado ao cargo por Davi Alcolumbre. A CGU sustenta que, durante a gestão do afilhado político do senador, também houve falhas na fiscalização ao trabalho da Engefort. Durante duas semanas em 2022, segundo o relatório, “não havia fiscal supervisionando a execução do contrato”. “A inexistência de fiscal de contrato, por menor que seja o período, mostra-se fato grave. A gestão e a fiscalização dos contratos administrativos é o instrumento para salvaguardar interesse público”, diz.

Além disso, o relatório afirma que a superintendência gerida por Hilton Cardoso firmou dois aditivos com a Engefort que também se revelaram problemáticos. Segundo os fiscais, os documentos de prorrogação de contrato contêm problemas: “Não há um cronograma financeiro do contrato. Não se sabe em termos físicos o que será executado e medido. Não se sabe a previsão de saldo contratual”, sustenta o relatório.

Alheio às suspeitas levantadas pelo órgão de controle, Davi Alcolumbre divulgou amplamente nas redes sociais o envio da verba ao seu estado. “Muito mais que asfalto de ruas e avenidas. O trabalho em Santana (cidade contemplada) muda completamente a vida de inúmeras famílias que viviam com terra e poeira na porta de casa”, postou Alcolumbre, em março do ano passado.

Embora não possa ser responsabilizado diretamente por falhas na execução de um contrato abastecido com dinheiro garantido por uma emenda de sua autoria, Alcolumbre conhece a Engefort. Em setembro de 2021, quando a empresa já havia sido selecionada para fazer as obras no Amapá, o senador compareceu a uma audiência com o presidente da Codevasf, em Brasília, ao lado de um representante da empresa.

Suspeita de cartel

Sediada no Maranhão, a Engefort Construtora e Empreendimento tornouse alvo de outras suspeitas. Em outubro do ano passado, uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) revelou indícios de que um cartel de empresas, entre elas a Engefort, estaria atuando para fraudar licitações da Codevasf. O órgão de controle apontou que o grupo agiu em conluio em licitações tanto na sede da Codevasf, em Brasília, quanto nas suas superintendências regionais. A estatal encerrou contratos que somavam cerca de R$ 200 milhões com a empreiteira após as suspeitas de virem à tona.

Segundo o jornal Folha de S.Paulo, a empreiteira ganhou a maioria das concorrências de pavimentação do antigo governo. Nesses certames, ela concorreu sozinha ou na companhia de uma empresa registrada em nome do irmão dos seus sócios.