Valor Econômico, v. 20, n. 4871, 01/11/2019. Opinião, p. A14

Cortes na Selic dão um bom alívio nos gastos do governo

 

A aprovação da reforma da previdência e o estágio final de apresentação de novas reformas pela equipe econômica, sob o pano de fundo de uma economia anêmica, levaram o Banco Central a testar limites nunca antes atingidos pela taxa de juros básica. De julho a dezembro, a Selic, que nominalmente já era a mais baixa da série, de 6,5%, cairá mais dois pontos percentuais e fechará o ano em 4,5%. A taxa de juros real, calculada pela inflação 12 meses à frente e os swaps DI 360, chegou a 0,8% em 25 de outubro. A política monetária aproxima-se de seu limite, mas os efeitos estimulativos da baixa consistente dos juros ainda surgirão mais à frente.

As consequências sobre a dívida pública são as mais visíveis. Nas estatísticas divulgadas ontem pelo Banco Central, sobre as contas do setor público consolidado, a conta dos juros pagos no acumulado de 12 meses encerrado em setembro reduziu-se em R$ 41 bilhões - de R$ 401 bilhões para R$ 360 bilhões. A redução será mais intensa a partir de agora, porque a taxa Selic, manteve-se a maior parte do período considerado em 6,5% - a queda ocorreu apenas em agosto, para 6%. Ela é indexador de 77,6% (R$ 3,03 trilhões) da dívida líquida total em setembro (R$ 3,9 trilhões). A grosso modo, 1 ponto percentual de corte na Selic permite economia de R$ 30 bilhões na conta de juros. Além disso, como a inflação está mais baixa e os juros também, os R$ 971 bilhões em dívida indexados ao IPCA terão menores desembolsos, como se nota na precificação cadente desses títulos no mercado.

A descomunal despesa com juros, que ainda sobe porque o governo não consegue obter superávits primários que abatam parte dela, tende a emagrecer. A taxa de juros implícita de janeiro a setembro sobre a dívida bruta total caiu de 10,6% PIB em 2016 para 5,8% agora. A taxa incidente sobre a dívida líquida total, considerado os 9 meses do ano, é igualmente expressiva. Em 2016, pagava-se 13,2% de juros, hoje 7,7%. A conta para o governo federal encolheu de 15% para 8,7%.

Manter o teto de gastos é importante para produzir superávits primários, o que, pelas projeções do Tesouro, só serão possíveis a partir de 2022. De qualquer forma, persistindo no esforço fiscal, a estabilização e redução da dívida bruta, de 80,8% do PIB, está à mão. No cenário base do Tesouro, com uma Selic média de 6,59% entre 2020 e 2028 e crescimento do PIB de 2,44%, um superávit primário de 0,81% do PIB seria suficiente para essa dívida em relação ao PIB em 10 pontos percentuais.

A Selic média em 2020 estará abaixo deste patamar. A Selic real média em 2019, segundo o ValorData é de 2,12%, enquanto que a inflação média do ano até setembro foi de 3,85%. O crescimento é hoje menor do que no cenário de base, mas alguns analistas preveem que, anualizado, o ritmo da economia no último trimestre será de 2%. Com uma Selic média de 5,59%, factível em 2020, e o mesmo crescimento, um superávit bem menor, de 0,27%, teria o mesmo efeito. E mesmo um déficit primário de 0,52% obteria o mesmo resultado se o crescimento acelerasse para 3,55%, com Selic média a 5,59%.

O caminho para chegar a esses resultados, porém, ainda é longo. No ano até setembro, o déficit primário do governo central foi de 1,4% do PIB. O Banco Central fez sua parte, mas a equação virtuosa só se completará, pelo lado dos gastos, com a redução das despesas com o funcionalismo público - a segunda maior da União -, que poderá ser feita com a reforma administrativa e, pelo lado das receitas, com um crescimento da economia vigoroso e sustentável, que não está no horizonte.

Os cortes nos juros terão seus efeitos plenos na segunda metade de 2020. Ele estimulará o crédito, à medida que o endividamento de empresas e consumidores continuar em queda. E dará por outra via um empurrão no consumo, ao reduzir a rentabilidade dos poupadores em todas as categorias de investimento que hoje tem baixo grau de risco. A recuperação do mercado de imóveis e da construção residencial, que começou, já reflete em parte estes dois movimentos. Parte do dinheiro que não encontra mais remuneração segura nas aplicações tradicionais desaguará no consumo. Até hoje, nunca houve um período longo de tempo em que os juros básicos se mantiveram em níveis civilizados - algo ainda longe de ocorrer na ponta dos empréstimos bancários.

A desvinculação orçamentária que será levada ao Congresso busca, entre outras coisas, abrir espaço para mais investimentos públicos - estão orçados ridículos R$ 19 bilhões em 2020. Eles podem potencializar uma expansão equilibrada, na hipótese de que gastos sigam contidos, e juros e inflação, baixos.