Valor Econômico, v. 20, n. 4871, 01/11/2019. Política, p. A10

Defesa de novo AI-5 provoca repúdio nacional
Matheus Schuch
Renan Truffi
Marcelo Ribeiro
Isadora Peron
Luísa Martins
Murillo Camarotto
Andrea Jubé
Cristiane Agostine
Carolina Freitas
Rafael Rosas
Marina Falcão


Uma declaração do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) de que um novo Ato Institucional nº 5 (AI-5) seria justificável em caso de convulsão social, causou repúdio em um amplo espectro político. As reações negativas partiram desde do próprio pai do deputado, o presidente Jair Bolsonaro, dez partidos, do PSL ao Psol, passando pelos presidentes da Câmara e do Senado, dez governadores, a OAB e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello.

Associações de procuradores, juízes e de advogados também condenaram a fala pró-AI-5 do filho do presidente.

Até na caserna a repercussão foi negativa. Oficiais da ativa ouvidos pelo Valor rechaçaram a declaração de Eduardo. “Jamais haverá espaço para um novo AI-5”, afirmou um general da ativa, sob a condição de não ter o nome revelado.

PT, PCdoB, PDT, PSB, Psol e Rede Sustentabilidade protocolaram no Supremo Tribunal Federal (STF) na noite de ontem uma notícia-crime contra o deputado. “A declaração causou espanto e reação em diversos setores da sociedade”, diz documento assinado por 18 parlamentares. O presidente nacional do Psol, Juliano Medeiros, afirma que houve quebra de decoro parlamentar.

O ex-ministro Ciro Gomes (PDT), candidato presidencial derrotado em 1998, 2002 e 2018, foi ao Twitter chamar Eduardo Bolsonaro de “tolete de esterco”.

O ministro do STF, Marco Aurélio, disse à “Folha de S.Paulo” que os “ares democráticos” estão sendo levados do Brasil. “Os ventos, pouco a pouco, estão levando embora os ares democráticos”, afirmou o magistrado logo que a fala de Eduardo veio à tona, no início da tarde.

À noite, depois de Bolsonaro repreender o filho publicamente e o deputado voltar atrás (ver matéria nesta página), Marco Aurélio disse ao Valor não ver “espaço para retrocesso”. Procurado pela reportagem, o presidente do Supremo, Dias Toffoli, não se pronunciou.

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), classificou como “repugnante” a fala de Eduardo. “A apologia reiterada a instrumentos da ditadura é passível de punição. O Brasil jamais regressará aos anos de chumbo”, afirmou em nota. Ele reiterou as críticas em evento em Vitória (ES) e disse que falava em nome de toda a Câmara.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), apontou a contradição de um deputado evocar um mecanismo autoritário que, nos anos de ditadura, fechou o Parlamento. “É lamentável que um agente político, eleito com o voto popular, possa insinuar contra a ferramenta que lhe outorgou o próprio mandato. É um absurdo ver um agente político fazer incitação antidemocrática”, disse Alcolumbre.

Dentre os partidos manifestaram indignação com a fala de Eduardo Psol, PT, PSDB, DEM, MDB, PL, Republicanos e o Novo. O PSL, partido do presidente e de Eduardo, chamou a declaração de “tentativa de golpe”. O partido é comandado por Luciano Bivar (PE), desafeto dos Bolsonaro desde que o presidente da República foi filmado dizendo para um filiado esquecer Bivar porque o líder partidário estava “queimado”.

O distanciamento entre a família Bolsonaro e o comando do PSL é tanto que a ala bivarista estuda endossar a iniciativa do Psol de denunciar Eduardo por quebra de decoro. Repudiaram a declaração de Eduardo ainda o senador Major Olímpio (SP) e a deputada Joice Hasselmann (SP).

A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) lembrou em nota que o AI-5, lançado pelo governo militar em 1968, cassou mandatos, suspendeu direitos políticos e causou perseguição. “É inaceitável que um parlamentar defenda qualquer instrumento que coloque em risco a ordem democrática”, disse a Ajufe.

A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) disse que, ao cogitar um novo AI-5, Eduardo “flerta com um passado tenebroso”. Rememora ainda que o ato institucional trouxe censura à imprensa e às artes, tortura e o desaparecimento de pessoas consideradas opositoras ao regime militar.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, não se manifestou sobre a fala de Eduardo. O Valor apurou que a posição é de que o MPF não deve se manifestar sobre opiniões, apenas sobre atos.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) apontou a gravidade da fala. “É um flerte inaceitável com um passado de arbítrio, censura e tortura”, afirmou o presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz.

Nove governadores do Nordeste divulgaram uma nota conjunta sobre a declaração de Eduardo. Eles repudiaram “ameaças autoritárias, a exemplo da absurda sugestão de edição de um novo AI-5”. “Ditadura nunca mais”, afirmam os signatários. A própria também foi criticada pelo governador de São Paulo, João Doria. (Matheus Schuch, Renan Truffi, Marcelo Ribeiro, Isadora Peron, Luísa Martins, Murillo Camarotto, Andrea Jubé, Cristiane Agostine, Carolina Freitas, Rafael Rosas e Marina Falcão)