O Globo, n. 32701, 17/02/2023. Política, p. 7

PGR contraria PF e não vê crime de Bolsonaro ao associar vacina e Aids

Daniel Gullino


A vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araujo, pediu o arquivamento do inquérito que investiga se o expresidente Jair Bolsonaro disseminou fake news sobre a Covid-19 ao associar falsamente as vacinas a um risco maior de contrair o vírus da Aids. O posicionamento diverge da manifestação da Polícia Federal, que havia apontado ao Supremo Tribunal Federal (STF) que Bolsonaro incitou crime ao desestimular a vacinação e o uso de máscaras.

A PGR não viu provas contra Bolsonaro nem contra seu ex-ajudante de ordens Mauro Cid, que é investigado no mesmo caso. Para Lindôra, não há “indícios mínimos para se afirmar a ocorrência de qualquer prática delitiva”. O relator do caso é o ministro Alexandre de Moraes.

A PF havia dito que Bolsonaro e Cid cometeram, além de incitação ao crime, a contravenção penal de “provocar alarme ou perigo inexistente” ao associar o uso da vacina da Covid-19 com o desenvolvimento do vírus da Aids.

Sobre a falsa relação entre imunização e Aids, a vice-procuradora-geral considera que não houve comprovação de que as declarações de Bolsonaro causaram “alarme na população ou que, pelo menos, tinham capacidade para isso”. De acordo com Lindôra, as falas podem ser “reprováveis”, mas “reforçam um padrão de conduta que guarda sintonia com seu agir político desde o início da pandemia”, o que, segundo ela, não indicaria intenção de causar pânico.

Para Lindôra, no caso das máscaras, “não é possível extrair incentivo direto às pessoas para que desrespeitassem as medidas determinadas pelas normas sanitárias”. Além disso, ela ressaltou que a não utilização do equipamento só levava a um pagamento de multa, e que por isso não pode haver responsabilização criminal pelo suposto incentivo ao seu descumprimento.

A manifestação da PGR diz ainda que o fato de a estratégia de Bolsonaro de enfrentamento à pandemia ser diferente do defendido por “alguns representantes da comunidade médica” pode ser passível de críticas, mas não é um crime.

Pedido de manifestação

Em outro caso envolvendo Bolsonaro, o ministro Dias Toffoli, do STF, pediu a manifestação da PGR sobre a retomada de duas ações penais nas quais o ex-presidente é réu pelos crimes de injúria e incitação ao crime.

Bolsonaro virou réu nos dois casos em 2016, por ter dito que a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) não merecia ser estuprada porque é “muito feia”. Os processos, no entanto, foram paralisados em 2019, porque presidentes da República não podem ser responsabilizados por fatos anteriores ao seu mandato.

Em sua decisão, Toffoli afirmou que, com o fim do mandato de Bolsonaro, encerrou-se a “imunidade formal temporária do réu” e enviou o processo para a PGR.

Ministros do STF têm enviado à primeira instância diversos processos que têm Bolsonaro como alvo. Na terça-feira, por exemplo, Luiz Fux remeteu à Justiça Eleitoral um pedido de inquérito apresentado pela PF pela suspeita de uso indevido de imagens de crianças e adolescentes durante a campanha eleitoral.