O Globo, n. 32701, 17/02/2023. Economia, p. 11

Mínimo e isenção do IR vão subir

Alice Cravo
Carolina Nalin


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva confirmou ontem que o valor do salário mínimo será reajustado para R$ 1.320 em maio. Ele afirmou ainda que a faixa de isenção do Imposto de Renda (IR) passará a R$ 2.640 — e há planos de, no futuro, atingir R$ 5 mil. Hoje, o mínimo é de R$ 1.302, e a faixa de isenção do IR está em R$ 1.903.

A pedido do GLOBO, analistas calcularam o impacto fiscal dessas medidas entre R$ 23,8 bilhões e R$ 37 bilhões em 12 meses. Os cálculos foram feitos considerando mudanças em todas as faixas do IR, a partir da mudança do valor da isenção. O governo, no entanto, ainda não informou como ficariam as demais faixas. Também não foi informado se os R$ 2.640 começam a valer este ano.

Procurado, o Ministério da Fazenda não deu detalhes sobre a medida anunciada pelo presidente da República.

— Está combinado com o ministro Haddad (Fernando Haddad, da Fazenda) que a gente vai em maio reajustar para R$ 1.320 e estabelecer uma nova regra para o salário mínimo, que a gente já tinha no meu primeiro mandato —disse o presidente, em entrevista à CNN Brasil.

Na entrevista, ele ainda falou sobre taxa de juros e autonomia do BC (veja mais na página 14).

Lula disse que o novo mínimo irá considerar, além da reposição inflacionária, o crescimento do PIB:

— Não adianta o PIB crescer 14% e você não distribuir. É importante que ele cresça 5%, 6% , 7%, e você distribuí-lo para a sociedade. Nós vamos aumentar o salário mínimo todo ano, a inflação será reposta, e o crescimento do PIB será colocado no salário mínimo.

Perda de R$ 470 bi em 4 anos

Sobre o IR, Lula afirmou que a ideia do governo é aumentar gradativamente a faixa de isenção, até R$ 5 mil:

— Vai começar a partir de agora. Nós vamos começar a isentar a partir de R$ 2.640 e depois vamos gradativamente, até chegar a R$ 5 mil de isenção.

Nas redes sociais, Lula afirmou ainda que “quando a gente vai discutir Imposto de Renda, a gente percebe que quem ganha R$ 6 mil paga mais, proporcionalmente, do que quem recebe mais.”

A tabela do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) não é reajustada desde 2015. No ano passado, com uma inflação de 5,79%, chegou à maior defasagem da história: 148,10%, segundo cálculos do Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional).

Analistas reconhecem que essas medidas reduzem o ônus, para os trabalhadores, da falta de reajuste da tabela do IR. Mas alertam que a faixa de isenção maior e o aumento real do salário mínimo custam bilhões aos cofres públicos e devem vir acompanhadas de medidas compensatórias, que visem o equilíbrio fiscal do governo no médio e longo prazos.

Nos cálculos da XP, o reajuste do salário mínimo deve impactar as contas públicas em R$ 5,2 bilhões este ano. Em 12 meses, esse impacto chegaria a R$ 7,8 bilhões. Já o aumento da faixa de isenção do IR teria um impacto de R$ 10 bilhões este ano e de R$ 16 bilhões no período de 12 meses. Ou seja, somadas, as medidas chegariam a R$ 23,8 bilhões.

Já nas estimativas da MCM Consultores, o reajuste do mínimo deverá custar R$ 4,7 bilhões de maio até dezembro, ou R$ 7 bilhões em 12 meses. E a mudança no IR custará outros R$ 25 bilhões este ano, ou R$ 30 bilhões em 12 meses. No total, um impacto fiscal de R$ 37 bilhões.

Tiago Sbardelotto, economista da XP, lembra que, do ponto de vista fiscal, o governo não tem muito espaço para realizar essas medidas, pois as contas públicas estão no campo deficitário. Ele pondera, no entanto, que a ausência de reajuste da tabela do IR equivale a uma elevação da alíquota ano a ano, ou seja, a tributação sobre a renda do trabalhador tem aumentado.

A pedido do GLOBO, em uma simulação gradual do aumento da faixa de isenção para até R$ 5 mil em 2026, a perda de arrecadação acumulada em quatro anos chegaria a R$ 470 bilhões, em relação ao modelo atual.

Para Sbardelotto, o aumento da faixa de isenção do IR demanda medidas que compensem essa perda de arrecadação, como a tributação de lucros e dividendos, a criação de uma nova faixa de IR com alíquota mais elevada e a instituição de um limite para doações.

— Se você reduz receita e aumenta despesa, não dá para dizer que não tem impacto. Por isso é preciso alguma forma de compensação —afirma o economista da XP. — Você deve reduzir o ônus do trabalho, mas é preciso que isso seja feito de forma ponderada.

Problemas a longo prazo

Renan Martins, economista da MCM Consultores, no entanto, não vê problemas fiscais para o governo no curto prazo. Ele afirma que a arrecadação se mantém em uma “toada favorável” e cita a meta de déficit primário e elevação do teto de gastos no ano passado.

— O problema é que isso pode ser difícil no médio e longo prazos. Um aumento do salário muito acima da inflação e a correção gradual da faixa de isenção implicam uma trajetória de crescimento do déficit primário e elevação da dívida —diz Martins.

Segundo Martins, a segunda parte da discussão da reforma tributária, que diz respeito à renda, pode favorecer a acomodação dessas medidas. Mas ele avalia que as discussões só ocorram no fim do ano:

— A gente espera que isso também seja discutido quando for apresentado o novo arcabouço fiscal. Até então, entendo que são medidas pontuais, mas que o governo deve dar continuidade a elas nos próximos anos. Vamos aguardar para ver como isso vai conversar com a proposta do novo arcabouço fiscal.

O governo havia proposto o valor de R$ 1.320 ainda na transição. O principal impasse para a adoção do novo mínimo eram os gastos, estimados em R$ 7,7 bilhões.

Desde 2020, o piso nacional é ajustado apenas pela inflação, sem uma regra permanente. O aumento real (acima da inflação) do mínimo é uma promessa de campanha de Lula e uma das prioridades da nova gestão.

Isentar do IR os trabalhadores que ganham até R$ 5 mil por mês era outra promessa de campanha do presidente. Mas, devido a seu custo elevado, técnicos do governo defendiam que esse novo passo só ocorresse junto a uma reforma tributária.