Valor Econômico, v. 20, n. 4891, 30/11/2019. Empresas, p. B5

STF libera processo de cassação em SP da inscrição estatual de Manguinhos
Luísa Martins



O ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), liberou a continuidade do processo de cassação da inscrição estadual da Refinaria de Manguinhos (Refit) em São Paulo, diante de um valor bilionário devido pela empresa aos cofres do governo a título de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

Na decisão, Toffoli derruba decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) que havia impedido a cassação da inscrição, sob o argumento de que isso inviabilizaria o plano de recuperação judicial da refinaria.

Segundo o ministro, a Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo (PGE-SP) conseguiu demonstrar que a manutenção da decisão comprometeria valores públicos sociais e econômicos.

“Aparece significativa a perda de arrecadação do Estado com impactos negativos axiomáticos relativamente às políticas públicas de atendimento à população”, escreveu o presidente do STF.

Para Toffoli, a polêmica na relação entre a refinaria e a Fazenda Pública de São Paulo impacta diretamente o poder de definição de prioridades políticas na gestão de recursos públicos do Executivo e na programação orçamentária aprovada pelo Poder Legislativo paulista - o que fere o regulamento do ICMS no Estado.

A PGE-SP afirma que, só em débitos inscritos em dívida ativa, Manguinhos já deve R$ 2,7 bilhões ao Estado de São Paulo, o que enquadra a empresa como “verdadeira devedora contumaz”. A maior parte desse montante é relativa a ICMS declarado como substituição tributária - isto é, a refinaria, como responsável pelo recolhimento antecipado do  imposto de toda a cadeia operacional mas não estaria repassando esses valores ao erário paulista.

“O dinheiro entrou no caixa da empresa e foi por ela apropriado, sem qualquer reversão aos seus credores. Atenuar essa situação, blindando a empresa com a teia de proteção, além de ilegal, é absolutamente imoral”, alegaram os procuradores do Estado.

Segundo eles, o valor sonegado, em poucos meses, seria capaz de pagar todos os credores concursais da recuperação judicial, enquanto a Fazenda do Estado vem financiando as atividades da refinaria “com grande prejuízo a toda sua população”.

Em parecer solicitado por Toffoli, a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, havia se manifestado favoravelmente à continuidade da cassação.

Ela afirmou que a interrupção do processo de cassação da inscrição traria “risco de grave lesão à economia pública, uma vez que a redução na arrecadação do tributo gera importante impacto nas finanças públicas, além de injustificado embaraço na execução das políticas públicas".

A eventual cassação da inscrição estadual impede a refinaria de emitir documento fiscal em território paulista, mas não a continuidade das atividades comerciais da empresa. Isso porque Manguinhos tem sede no Rio de Janeiro - em São Paulo, está apenas inscrita como contribuinte na condição de substituta. A mudança estaria no modo de recolhimento do ICMS, que passaria a ser efetuado em cada operação, por meio da Guia Nacional de Recolhimento de Tributos Estaduais (GNRE).

Em setembro, os advogados Marcos Joaquim e Luís Inácio Adams - este, ex-ministro da Advocacia-Geral da União (AGU) - afirmaram ao Valor que não há ilegalidade na atuação de Manguinhos, da qual são representantes na Justiça.

Segundo os advogados, o Supremo Tribunal Federal tem precedente segundo o qual é constitucional a utilização de como forma de pagamento de um tributo - e que, em razão disso, a Refit não pode ser considerada devedora contumaz.

“A refinaria tem débitos fiscais vinculados a precatórios e, portanto, segue a definição do STF. A discussão desses débitos não representa qualquer risco à ordem pública para São Paulo. Na lista de maiores devedores usada pelo próprio Estado, a Refinaria não representa nem 2% do total”, apontaram, na ocasião.