O Globo, n. 32700, 16/02/2023. Política, p. 5

Esquerda articula ofensiva contra Artigo 142

Gabriel Sabóia


Usado por bolsonaristas durante dois anos para pregar uma intervenção militar, o artigo 142 da Constituição voltou a ser debatido, desta vez por iniciativa da esquerda. Na Câmara Federal, deputados petistas tentam alterar trecho da Carta para frear interpretações equivocadas, como o uso do texto como amuleto para ambições golpistas. Visando ao mesmo objetivo, o PSOL acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) na última segunda-feira. A proposta ao Parlamento é delicada porque, na prática, o trabalho envolveria reescrever o papel das Forças Armadas. Até entre os aliados, há certo receio em abrir discussão sobre o tema.

De autoria do deputado Carlos Zarattini (PT-SP), a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) tem o objetivo de dirimir as dúvidas sobre as prerrogativas dos militares. O artigo em questão versa sobre os direitos e deveres das Forças. Assinala que os militares, “sob a autoridade suprema do Presidente da República”, devem garantir a “defesa da Pátria” e “dos poderes constitucionais”. Em nenhum momento, contudo, trata as Forças como um Poder Moderador — discurso empregado à exaustão em manifestações antidemocráticas 

O parlamentar argumenta que a intenção da alteração no texto original da Constituição é a de “acabar com a sombra eterna de intervenção militar, não dar sobra a diferentes interpretações do artigo e delimitar o uso das Forças em operações em favelas, como as vistas durante operações em Garantia da Lei e da Ordem (GLO)”:

— Queremos mudar isso para que não existam interpretações errôneas. As Forças Armadas não são um poder acima de outros. Este poder de tutela é completamente equivocado e é frequentemente usado em manifestações golpistas, que pedem, por exemplo, que haja intervenção sobre o STF.

Líderes das principais bancadas da Casa Legislativa veem o debate com cautela e afirmam que caberá ao PT tratar das negociações — há resistências também na sigla e dúvidas sobre o fôlego para atingir as 171 assinaturas para que o texto comece a tramitar. Nem mesmo líderes do PSD e do MDB, partidos que têm três ministérios cada um, dizem que o assunto está fechado com as suas respectivas bancadas. Zarattini reconhece que a tarefa será difícil e diz que, na lrgada, espera contar com as 80 assinaturas da federação liderada pelo PT, que conta ainda com PCdoB e PV.

Em junho de 2020, o ministro do STF Luiz Fux chegou a se manifestar, em decisão liminar, sobre o assunto. Ao ser provocado por ação do PDT, ele afirmou que as Forças Armadas “não são poder moderador”, e destacou que Exército, Marinha e Aeronáutica “não podem interferir nos Poderes”.

Em nova iniciativa jurídica, o PSOL pede que a Corte proíba o uso do texto para defender a atuação das Forças Armadas como poder moderador, com competência para arbitrar conflitos entre os Poderes, ou para pregar um golpe de Estado. Fux é o relator da ação.

Argumento sem lastro

Transformado por bolsonaristas em pretexto para uma possível intervenção militar, o artigo 142 não foi redigido para permitir qualquer ação das Forças Armadas contra Legislativo e Judiciário. O trecho da Carta de 1988, segundo deputados constituintes já ouvidos pelo GLOBO, nunca teve esse alcance. Levantamento feito em 2020 por meio de notas taquigráficas da Constituinte e no noticiário de 1987, quando o artigo foi elaborado,revelou que nunca houve a intenção de transformar os militares em “poder moderador”.