Correio Braziliense, n. 21649, 25/06/2022. Política, p. 2

MPF vê interferência de Bolsonaro no caso

Luana Patriolino


Conversas gravadas pela Polícia Federal levantam suspeita de interferência do presidente Jair Bolsonaro (PL) na Operação Acesso Pago, que apura suposto esquema de corrupção e tráfico de influência no Ministério da Educação.

Alvo da investigação, o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro disse, dias antes de ser preso, que foi alertado por Bolsonaro sobre a possibilidade de a PF fazer buscas e apreensões contra ele. A declaração foi dada numa ligação para a filha, grampeada pela corporação.

O Ministério Público Federal (MPF) afirmou ver indícios de comportamento ilícito do chefe do Executivo e pediu à Justiça Federal que encaminhe o caso para o Supremo Tribunal Federal (STF), já que o presidente tem foro privilegiado. 

Para o MPF, há suspeita da prática dos crimes de violação de sigilo funcional e favorecimento pessoal. “Indício de vazamento da operação policial e possível interferência ilícita por parte do presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, nas investigações”, diz o documento assinado pelo procurador da República Anselmo Henrique Cordeiro Lopes.

A ligação entre Milton Ribeiro e a filha é de 9 de junho. Nesse mesmo dia, Bolsonaro desembarcou em Los Angeles, nos Estados Unidos, para participar da Cúpula das Américas.

“Hoje, o presidente me ligou... ele tá com um pressentimento, novamente, que eles podem querer atingi-lo através de mim, sabe? É que eu tenho mandado versículos pra ele, né?”, disse Ribeiro à filha. “Ele acha que vão fazer uma busca e apreensão... em casa... sabe... é... é muito triste. Bom! Isso pode acontecer, né? Se houver indícios, né”, acrescentou.

Ribeiro foi preso pela PF na última quarta-feira, assim como outros envolvidos na investigação, como os pastores Arilton Moura e Gilmar Santos. Os agentes também cumpriram uma série de mandados de busca e apreensão.

o dia das detenções, a PF interceptou outra ligação, desta vez, da mulher do ex-ministro, Myrian Ribeiro, que também levanta suspeitas de que o ex-integrante do governo tinha sido avisado sobre a operação. “Ele não queria acreditar, mas ele estava sabendo. Eu falei: ‘Pra ter rumores do alto é porque o negócio já estava certo’”, contou ela a um homem identificado como Edu.

O ex-ministro e os religiosos foram soltos no dia seguinte, por determinação do desembargador Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1).

Ao Correio, Frederick Wassef, advogado de Bolsonaro, alegou inocência do cliente. “Jamais, nunca interferiu na Polícia Federal. Nem nessa investigação nem em qualquer outra. O que estamos dizendo nada mais é do que a repetição do mesmo modus operandi criminoso que fizeram na época do ex-ministro Sergio Moro, quando também o acusaram de interferir”, defendeu.

Wassef ainda criticou o vazamento dos autos do processo. “Houve a prática de graves crimes por funcionários, autoridades públicas, aqui de Brasília, que, criminosamente, estão vazando a conta-gotas o referido material de um inquérito que tramita em segredo de Justiça”, acrescentou.

Foro privilegiado

A defesa de Ribeiro também se manifestou. O advogado Daniel Bialski argumentou que o áudio foi captado enquanto o cliente tinha foro privilegiado. “Se assim o era, não haveria competência do juiz de primeiro grau para analisar o pedido feito pela autoridade policial, e, consequentemente, decretar a prisão preventiva”, disse, em nota à imprensa. Ribeiro, no entanto, deixou o MEC em 28 de março, logo, não tinha mais direito a foro especial na data do grampo.

Bialski destacou, ainda, que o juiz Renato Borelli, da 15ª Vara Federal de Brasília,  que determinou a prisão de Ribeiro, age com viés ideológico. “Todavia, se realmente esse fato se comprovar, atos e decisões tomadas são nulos por absoluta incompetência e somente reforça a avaliação de que estamos diante de ativismo judicial e, quiçá, abuso de autoridade, o que precisará, também, ser objeto de acurada análise.”

A desconfiança sobre interferência na investigação foi levantada pelo delegado federal Bruno Calandrini, que comandou a operação. Segundo ele, a corporação teria dado tratamento diferenciado ao aliado de Bolsonaro durante a prisão, pois o ex-ministro não foi levado de Santos (SP) para Brasília por conta de uma decisão superior. “A investigação envolvendo corrupção no MEC foi prejudicada no dia de ontem (quarta-feira) em razão do tratamento diferenciado concedido pela PF ao investigado Milton Ribeiro”, afirma o delegado, em mensagem para colegas. “O deslocamento de Milton para a carceragem da PF em São Paulo é demonstração de interferência na condução da investigação, por isso, afirmo não ter autonomia investigativa e administrativa para conduzir o inquérito policial desse caso com independência e segurança institucional”, acrescentou.

Oposição

A oposição também reagiu ao episódio. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) anunciou que vai encaminhar ao STF um pedido de abertura de inquérito contra Bolsonaro por violação de sigilo e obstrução de Justiça. “Bolsonaro não esculhambará a Polícia Federal e as leis impunemente”, escreveu o parlamentar nas redes sociais.

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