Valor Econômico, v. 20, n. 4890, 30/11/2019. Brasil, p. A2

BC mantém mensagem, mas se reserva liberdade

Alex Ribeiro



O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central deixou todas as possibilidades em aberto para as suas próximas reuniões, mesmo diante de um cenário ainda muito incerto. Nos dias em que o dólar subia para novos patamares, dirigentes do BC mantiveram o sangue frio e renovaram as sinalizações de corte de 0,5 ponto percentual para a reunião deste mês e de cautela para eventuais ajustes na taxa de juros em 2020. Mas deram nova ênfase ao alerta de que as decisões futuras serão condicionadas à evolução do cenário econômico.

O mercado financeiro passou a trabalhar com várias hipóteses para a trajetória de juros, incluindo o corte de 0,5 ponto percentual na reunião da semana que vem, uma baixa de apenas 0,25 ponto ou mesmo a estabilidade da taxa Selic nos atuais 5% ao ano. O mercado não está errado em precificar os riscos de tantos cenários diferentes para a taxa de juros, já que ninguém sabe ao certo o que vai acontecer nos próximos dias. O Banco Central, de seu lado, não tem poderes sobrenaturais para prever o futuro. Nesse ambiente de incerteza, o melhor que pode fazer é apontar o desfecho que considera mais provável, explicitar os riscos no caminho e dizer como pretende reagir a eles no caso de se concretizarem.

É a segunda vez, em apenas dois anos, que o Copom se aventura a fazer um foward guidance tão explicito para s taxa de juros. A experiência anterior foi na gestão Ilan Goldfajn e não deu muito certo. O comitê sinalizou “uma flexibilização monetária moderada adicional” dos juros para a sua reunião de maio de 2018, mas teve que voltar atrás, depois que o dólar entrou numa forte trajetória de alta. Ilan até tentou avisar com antecedência que estava em dúvidas, numa entrevista à tevê nos minutos finais antes do período de silêncio do Copom, mas o mercado entendeu o contrário: que o corte de juros estava garantido. Quando o Copom não entregou o corte esperado, o mercado entrou em parafuso e agravou a crise.

Há algumas vantagens no forward guidance. Ele é particularmente útil quando as projeções de inflação, que indicam o caminho futuro dos juros, não contam exatamente a história que está na cabeça dos membros do Copom. Esse parece ser o caso atual: a projeção de inflação divulgada pelo comitê em outubro para 2020 mostrava que havia espaço para os juros caírem abaixo de 4% ao ano. Mas, dados os riscos de transmissão da política monetária, depois de os juros caírem aos menores percentuais da história, o BC colocou um freio nas apostas de queda de juros. Disse que pretende cortar a taxa Selic a 4,5% ao ano em dezembro e que, a partir de então, vai seguir com cautela nos eventuais cortes que porventura fizer.

O risco de uma sinalização tão explicita é justamente o mercado financeiro entender como uma promessa, que, como tal, deve ser cumprida. Quem usa muito o forward guidance é o banco central da Suécia, com a divulgação do cenário provável para os juros para mais de um ano. Só que, por lá, o forward guidance não é entendido como promessa, mas apenas como uma sinalização que depende de o futuro andar como o previsto.

Até mesmo hipótese de corte de juros em 2020 foi renovada

Essa parece uma discussão apenas teórica, mas tem implicações práticas para o funcionamento dos mercados. Um forward guidance mal entendido leva o mercado a assumir posições muito firmes, que, se contrariadas, causam muita volatilidade. Já a sinalização condicional leva o mercado a ajustar gradualmente as suas posições de acordo com a evolução do cenário econômico, precificando as chances de diferentes decisões do Copom.

E qual é a mensagem de política monetária que foi renovada pelo Copom? Na última quarta-feira, quando o dólar bateu em R$ 4,27, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, deu nova vida à indicação de corte de 0,5 ponto semana que vem. Mas ele fez uma ressalva, com uma ênfase diferente, dizendo que a sinalização “obviamente” não se aplicará “em situações de crise que podem acontecer no meio do caminho”.

No dia seguinte, o diretor de Política Monetária do BC, Bruno Serra Fernandes, renovou de forma mais ampla a mensagem do Copom - não apenas para a reunião da semana que vem, mas também para as seguintes. Primeiro, repetiu o que já vinha sendo dito por Campos sobre cortar os juros em 0,5 ponto em alguns dias. Em seguida, repetiu que em outubro os membros do Copom discutiram “os benefícios de oferecer alguma sinalização para além da próxima reunião” e que eles “decidiram reforçar que o atual estágio do ciclo econômico recomenda cautela em eventuais novos ajustes no grau de estímulo”.

Mais do que isso, Serra renovou todo o balanço de riscos do Copom, tanto do lado positivo quanto do lado negativo. Lembrou que há o risco de os estímulos monetários levarem a uma inflação acima do que o esperado. Mas também disse que a economia opera com grande grau de ociosidade - lembrando que o desemprego elevado alimenta o “risco de inflação abaixo do esperado”.

Seria errado tomar o discurso de Serra como uma indicação dovish em meio à tormenta do mercado de dólar. Parece mais a reiteração de que, em meio a todas as incertezas, há também as forças do lado do bem e do mal que vinham determinando a dinâmica da inflação. O Copom parece se reservar a liberdade para decidir com base na evolução dessas e outras variáveis não apenas na reunião da próxima semana, como também nas seguintes.

A ameaça à supremacia dos grandes bancos está se intensificando. De um lado, o Banco Central adotou uma linha mais firme na defesa da concorrência, em ações como o veto à incorporação da XP pelo Itaú Unibanco, e limites ao poder de mercado, como o teto dos juros do cheque especial. De outro, avançam os novos competidores, como as cooperativas e fintechs.

Nesse ambiente mais hostil, os bancos começam a reclamar de desigualdade competitiva. Dizem que as cooperativas têm benefícios, como isenção de impostos, e estão virando grandes bancos, com agência na Faria Lima. Também querem que suas unidades de negócio digitais tenham o mesmo tratamento leve nas regras prudenciais que as fintechs.

Alex Ribeiro é repórter especial e escreve quinzenalmente

E-mail: alex.ribeiro@valor.com.br