Valor Econômico, v. 20, n. 4890, 29/11/2019. Finanças, p. C2

Banco Central muda estratégia e usa o poder das reservas internacionais

Alex Ribeiro


O leilão de venda de dólares à vista de US$ 1 bilhão realizado ontem pelo Banco Central é diferente do que vinha sendo feito até agora. A oferta sinaliza que a autoridade monetária está disposta a usar o poderio de sua posição líquida externa de US$ 329 bilhões, incluindo a posição bruta de US$ 368 bilhões de reservas internacionais,  para garantir uma ponte de liquidez ao mercado.

Vários fatores externos e domésticos estão afetando a cotação do dólar, e entre eles está a demanda mais forte por moeda à vista. E a procura por dólares à vista deve ser suprida com a oferta de dólares à vista, dentro da diretriz adotada pelo Banco Central na gestão Roberto Campos Neto de não ter preconceito em usar um ou outro instrumento de intervenção.

Note que, embora o Banco Central já viesse fazendo leilões à vista de dólares, a operação de ontem foi diferente. As atuações feitas nos dois dias anteriores (e uma feita em agosto) ocorreram em momentos em que a precificação do mercado estava quebrada, com grandes oscilações de preços e poucos negócios efetivamente sendo fechados em mercado.

Nessas ocasiões, o BC tem aparecido de surpresa, oferecendo montantes que não precisam necessariamente ser muito grandes e que mostram que há um vendedor de moeda estrangeira que age de forma a construir uma referência segura de preços. O montante vendido nas intervenções é conhecido apenas dias depois.

A intervenção de ontem foi diferente. Primeiro, porque foi pré-anunciada, não feita no calor do mercado. Quando age assim, em geral o Banco Central sinaliza que identificou uma demanda por moeda estrangeira no mercado à vista e está disposto a supri-la. Segunda diferença: o volume dessa intervenção, de US$ 1 bilhão, foi grande o suficiente para mostrar a disposição de suprir o mercado para atenuar eventuais episódios de maior escassez de moeda forte à vista.

Num leilão solteiro de dólar à vista, a clientela é mais ampla daquela que entra nas operações casadas. São agentes que demandam moeda à vista, mas não necessariamente têm posição no mercado futuro ou não estão dispostos a abrir mão de hedge no mercado futuro. Sobre o mercado futuro de dólares, é bom notar que, apesar de todos os comentários de que a frustração com o leilão da cessão onerosa levou investidores a se desfazer de posições que apostavam num maior fluxo de dólares, não houve oscilações muito fortes no cupom cambial.

Qual é o tamanho das necessidades de liquidez do mercado à vista de moeda? Provavelmente, no momento, nem o Banco Central sabe, mesmo porque essa é uma grandeza que pode mudar ao longo do tempo.

Há uns dois meses, Campos estimou em US$ 20 bilhões o volume de pré-pagamento de dívida externa por empresas que captam no mercado doméstico. Hoje, o pré-pagamento já chegou a esse valor de US$ 20 bilhões, mas não terminou. A Petrobras comunicou que pretende fazer cerca de US$ 4 bilhões de pré-pagamento da dívida externa.

O montante total de pré-pagamento do mercado como um todo depende, em grande medida, da evolução da curva doméstica de juros mais longa, de cerca de sete a dez anos de prazo. Se ela seguir caindo, operações que não eram viáveis passam a valer a pena.

Campos tem afirmado, em palestras recentes, que as empresas preferem pagar dívidas no exterior mesmo quando a taxa lá fora é mais alta do que a de dentro do país. Isso porque a captação externa vem com vários custos associados, como atender exigências regulatórias fora do país, “hedgear” balanços e ter uma avaliação de risco mais desfavorável das agências de rating.

Essa demanda está sendo suprida, em boa medida, com os leilões casados, com venda de dólares à vista e compra de moeda no mercado futuro. Uma confirmação de que o movimento de pré-pagamento de dólares pelas empresas não se encerrou foi o anúncio feito pelo BC ontem de que vai fazer novas operações casadas mirando o vencimento de US$ 7,2 bilhões em fevereiro de 2020.

Ao lado desse movimento mais estrutural ligado aos juros, há também uma demanda mais forte por dólares de fim de ano, além do corte das linhas de empréstimo e redução de exposição no país que costumam ocorrer nessas épocas. A volatilidade do câmbio também encoraja agentes econômicos a anteciparem a compra de moeda. Tudo isso engrossa a demanda por 

Com o leilão de dólares à vista, o BC sinaliza que tem munição para suprir o mercado e que está disposto a utilizá-la, mas isso não significa que vá querer determinar o valor do dólar. A experiência da China mostra que mesmo reservas na casa do trilhão podem ser consumidas rapidamente. Mas nossas reservas são suficientes para garantir o bom funcionamento do mercado.