Correio Braziliense, n. 21648, 24/06/2022. Política, p. 2

Jogo bruto no escândalo do MEC

Vistor Correia
Luana Patriolino


No dia em que a Justiça mandou soltar o ex-ministro Milton Ribeiro, denúncias de interferência indevida da própria Polícia Federal na investigação e de ameaças ao juiz do caso deram contornos ainda mais graves ao escândalo do Ministério da Educação.

Em mensagem a colegas da PF, o delegado Bruno Calandrini, responsável pelo pedido de detenção de Ribeiro e pela condução das investigações — batizadas de Operação Acesso Pago —, disse que o ex-ministro foi “tratado com honrarias não existentes na lei”.

“A investigação envolvendo corrupção no MEC foi prejudicada no dia de ontem (quarta-feira) em razão do tratamento diferenciado concedido pela PF ao investigado Milton Ribeiro”, afirma o delegado na mensagem. “O deslocamento de Milton para a carceragem da PF em São Paulo é demonstração de interferência na condução da investigação, por isso, afirmo não ter autonomia investigativa e administrativa para conduzir o inquérito policial desse caso com independência e segurança institucional”, acrescenta.

Logo após a prisão de Ribeiro, o juiz Renato Borelli, da 15ª Vara Federal de Brasília, determinou a transferência do ex-ministro de Santos (SP) para Brasília, onde ocorreria a audiência de custódia. A defesa do pastor evangélico, porém, entrou com um pedido para a audiência ocorresse por videoconferência. Além disso, a PF alegou que, por restrições orçamentárias, seria difícil o transporte de Ribeiro em aeronaves próprias da corporação e colocá-lo em um voo comercial representaria risco à sua segurança. Em um primeiro momento, o pedido da defesa foi negado, mas a decisão acabou revista por Borelli. O ex-ministro passou a noite na carceragem da PF em São Paulo.

Na mensagem a colegas, Calandrini classifica o cancelamento da transferência para Brasília como atípico e prejudicial às investigações. “Quantos presos de Santos, até ontem (quarta), foram levados para a carceragem da SR/PF/SP?”, diz o delegado. “Manterei a postura de que a investigação foi obstaculizada ao se escolher pela não transferência de Milton a Brasília à revelia da decisão judicial.”

As alegações do delegado levaram a corporação a abrir uma investigação. “Considerando boatos de possível interferência na execução da Operação Acesso Pago e objetivando garantir a autonomia e a independência funcional do delegado de Polícia Federal, conforme garante a Lei nº 12.830/2013, informamos que foi determinada a instauração de procedimento apuratório para verificar a eventual ocorrência de interferência, buscando o total esclarecimento dos fatos”, informou a PF, em nota.

Também ontem, a assessoria da Justiça Federal do Distrito Federal informou que o juiz Renato Borelli passou a sofrer “centenas” de ameaças e intimidações, via telefone e internet, de grupos ligados ao ex-chefe do MEC, desde que ordenou a detenção. Um pedido de investigação sobre as ameaças foi encaminhado à PF.

A audiência de custódia da qual Ribeiro participaria, por videoconferência, com Borelli acabou suspensa ontem mesmo, após a decisão do desembargador Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), que mandou soltar o ex-ministro e os outros investigados por suspeita de corrupção no MEC.

Aliados de Ribeiro e do presidente Jair Bolsonaro (PL) insinuam que Borelli age com viés ideológico para perseguir o chefe do Executivo. No entanto, o histórico de decisões do juiz mostra uma série de determinações que desagradaram políticos de diferentes partidos.

No caso de Bolsonaro, o magistrado foi o responsável por ordenar que o presidente fosse obrigado a usar máscara em espaços públicos e comércios do Distrito Federal — o chefe do Executivo costumar visitar cidades, e causar aglomeração, sem utilizar o item de segurança. O ato acabou sendo derrubado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). À época, bolsonaristas acusaram Borelli de “ativismo judicial”.