O Globo, n. 32698, 14/02/2023. Opinião, p. 2

Censo detalhado deve ser primeiro passo para desarmar a população



No dia de sua posse, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva impôs diversas restrições a compra, posse e uso de armas. Suspendeu a transferência de armas por Colecionadores, Atiradores Desportivos e Caçadores (CACs) e proibiu novos registros nessa categoria. Com a medida, Lula pôs fim à política permissiva da gestão Jair Bolsonaro com armas e munições, que fez disparar o armamentismo no Brasil.

As armas de fogo licenciadas saltaram 473% de 2018, ano da eleição de Bolsonaro, a junho passado — de 117.467 para 673.818. Só com os 674 mil CACs cadastrados em 2022 havia 1 milhão de armas. No segundo semestre, as vendas e registros de armamentos aumentaram, com a perspectiva da possível vitória de Lula, crítico do armamentismo. Entre setembro e novembro, segundo o portal UOL, mais de 2 mil armas foram registradas por dia por CACs, mais que o dobro do período de janeiro a agosto.

Agora, recadastrar o armamento em poder da população é peça-chave para a nova política de armas. O recadastramento dará a dimensão do que aconteceu nos últimos quatro anos e permitirá comparações com os dois únicos sistemas de registros: o Sistema Nacional de Armas (Sinarm), da Polícia Federal (PF), que registra armas compradas para autodefesa, e o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma), do Exército, responsável por conceder registros aos CACs.

Os dois bancos de dados não estão conectados. Para resolver o problema, a PF fará o censo das armas, passará a ser responsável pela concessão de qualquer registro, receberá o acervo de informações do Exército sobre os CACs e centralizará as informações. Será enfim possível saber quem está nos dois sistemas e quantas armas legais possui.

O armamentismo se espalhou pela sociedade a partir dos CACs. Sob Bolsonaro, eles foram autorizados a ter até 60 armas, metade de uso restrito (como fuzis) e a comprar mil munições por ano para cada uma. Bandidos passaram a se armar munidos da carteira de CAC, tamanha a facilidade de se inscrever no Exército.

Como ninguém precisa de 30 fuzis, a não ser chefe de milícia ou traficante, é esperado que boa parte do arsenal dos CACs tenha sido vendida. O recadastramento trará pistas a respeito e permitirá preencher lacunas nas informações sobre os CACs. O próprio Exército reconheceu no ano passado não conseguir, com seu banco de dados, especificar o tipo de arma que cada um possui.

Depois do recadastramento, a PF terá de fazer um pente-fino nos dados, para, com mandados de busca e apreensão, ir atrás do armamento que passou a ser ilegal.