Valor econômico, v. 20, n. 4890, 29/11/2019. Brasil, p. A10

STF derruba liminar de que sustava inquéritos com dados do Coaf

Luísa Martins
Isadora Peron


O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu sessão ontem com maioria formada para liberar, sem necessidade de aval judicial, o compartilhamento de dados fiscais sigilosos com o Ministério Público (MP), por parte de órgãos de controle como a Receita Federal e a Unidade de Inteligência Financeira (UIF), antigo Coaf.

A decisão, contudo, só será sacramentada na quarta-feira, quando o plenário vai decidir se a UIF de fato entrará na tese final do julgamento. Alguns ministros defendem que houve uma ampliação indevida, já que o caso concreto em análise - sonegação de impostos por um posto de gasolina em Americana (SP) - tratava apenas sobre dados da Receita.

Independentemente desse resultado, cai a liminar concedida em julho pelo presidente do tribunal, ministro Dias Toffoli, que suspendia investigações que tivessem sido abertas com base em dados compartilhados com o MP sem autorização do Judiciário.

Isso abre caminho para que prossigam as apurações contra o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro e suspeito de desvio de salários de servidores na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). A defesa alegava que os dados bancários sigilosos do parlamentar foram acessados sem decisão judicial prévia. Após a sessão do STF, nem Flávio nem seus advogados quiseram se manifestar.

O julgamento de ontem mostrou três correntes de votos dentro do STF. Tanto em relação à Receita quanto ao antigo Coaf, Toffoli - relator do caso em análise - ficou praticamente isolado. Ao perceber essa situação, recuou e resolveu aderir à tese vencedora.

Oito ministros entenderam que a Receita pode compartilhar com o MP, sem necessidade de autorização judicial, todos os tipos de dados, inclusive os considerados “sensíveis”, como as íntegras de extratos bancários ou de declarações anuais do Imposto de Renda.

A  maioria foi formada pelos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.

Dois ministros - Marco Aurélio Mello e Celso de Mello - votaram para que o aval judicial prévio fosse imprescindível em todos os casos, limitando de forma mais significativa a transmissão de dados entre Receita e MP.

Toffoli havia votado contra o prévio aval judicial, exceto nos casos das informações ditas “sensíveis”. Contudo, no fim do

do julgamento, ao se ver derrotado, mudou de ideia e aderiu à maioria.

Já sobre a UIF, sete ministros votaram no sentido de que o MP pode solicitar, sem ter que pedir antes à Justiça, quaisquer informações suspeitas ao órgão. Moraes, Fachin, Barroso, Rosa, Cármen, Fux e Celso compu- seram a corrente majoritária.

Antes, Toffoli havia feito uma ressalva: o MP não poderia agir “sob encomenda”, isto é, não poderia escolher quem investigar e requerer dados desses cidadãos, sem que eles já fossem alvo de algum procedimento criminal. Neste ponto, ele foi acompanhado apenas por Gilmar.

Em uma terceira via, Lewandowski e Marco Aurélio sequer citaram o antigo Coaf em seus votos, firmes no entendimento de que o caso concreto versava apenas sobre informações repassadas ao MP pela Receita.

“É dever do agente público, ao se deparar com fatos criminosos, comunicar o Ministério Público como determina a lei. Não constitui violação ao dever do sigilo a comunicação de quaisquer prática de ilícitos”, afirmou Cármen Lúcia, a primeira a votar na sessão de ontem. A ministra criticou a decisão de Toffoli de conceder uma liminar ampla em julho. “Na petição na qual se teve o deferimento da tutela, o interessado não compunha o processo, não era parte. Foi uma expansão juridicamente inadequada”.

Em seguida, Lewandowski continuou: “Aqui não se cogita o compartilhamento indiscriminado ou aleatório de dados bancários e fiscais entre a Receita e o MP, mas tão somente a transferência de provas relativas à sonegação fiscal de contribuintes para o efeito de promoção de sua responsabilidade penal.”

Na sua vez de votar, Gilmar seguiu Toffoli sobre a impossibilidade de o MP “encomendar” relatórios de inteligência à UIF. “Ressalto ser ilegítimo o compartilhamento de relatório de inteligência financeira com o MP e a Polícia Federal feito a partir de requisição direta da autoridade competente”, ponderou.

Marco Aurélio fez referência ao artigo constitucional segundo o qual o sigilo de dados é inviolável, “salvo, no último caso, por ordem judicial”. Em um breve voto, disse que “a Constituição não pode, por seu guarda maior, que é o Supremo, ser fechada, sob pena de grassar a insegurança jurídica à babel”.