O Globo, n. 32697, 13/02/2023. Saúde, p. 8

Avanço pequeno

Elisa Martins
Mariana Rosário


Depois da falta de vacinas pediátricas contra a Covid em vários postos de saúde país afora, o envio de novas doses pelo Ministério da Saúde nas últimas semanas pode permitir o avanço da imunização de crianças de 6 meses a 4 anos. Mas ainda há outros obstáculos a vencer. A hesitação que levou à baixa adesão da vacinação em maiores de 5 anos também afeta os mais novos, que só foram incluídos na campanha vacinal no segundo semestre do ano passado.

Levantamento feito pelo GLOBO com secretarias municipais da Saúde mostra que a maioria das capitais brasileiras relata ter recebido novas remessas, mas o ritmo da vacinação ainda é lento. E isso preocupa porque, apesar dos indicadores nacionais de Covid em queda, crianças pequenas são suscetíveis a desenvolver casos graves, e a proximidade da temporada de outros vírus respiratórios reforça o alerta.

— Menores de 4 anos, sobretudo os com menos de 1 ano, têm mais risco de internação e morte por Covid. Essa faixa foi justamente a que não registrou a mesma queda de casos vista em outros grupos desde o fim de 2022. Vacinar é essencial —afirma a pediatra e vicepresidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Isabella Ballalai.

Como de praxe ao longo da pandemia, algumas secretarias de Saúde não informaram dados completos e atualizados sobre a imunização. Mas afirmaram que a falta no estoque impactou o avanço da vacinação.

Teresina, por exemplo, começou a imunizar os pequenos contra a Covid em agosto do ano passado. A faixa etária com mais vacinados é a de 3 e 4 anos, mas apenas 8% receberam duas aplicações, índice que cai para 2% na faixa entre 6 meses e 2 anos. A capital piauiense relata problemas de estoque.

O mesmo ocorreu em Recife, que suspendeu a vacinação de crianças diversas vezes desde novembro. A cobertura com duas doses é de 2,4% dos bebês de até 2 anos, 8,9% das crianças de 3 anos e 14% das de 4 anos. São Paulo, por sua vez, diz que mais de 110 mil crianças de até 4 anos receberam duas doses. A maioria (89%) é de crianças de 3 e 4 anos. No caso dos bebês, ainda foi preciso enfrentar escassez de doses em janeiro, agora debelada.

Em Manaus, outro problema: somente um terço das 15 mil crianças de 3 e 4 anos com a primeira dose foram tomar a segunda. No Rio de Janeiro, a cobertura vacinal com duas doses atinge somente 8% das crianças até 4 anos com comorbidades. Segundo a secretaria Municipal da Saúde, “novos calendários de vacinação serão divulgados oportunamente”, no caso dos pequenos sem comorbidades.

Em Curitiba, a prefeitura informa que só 3% das crianças com até 3 anos de idade receberam alguma dose de vacina. Outras capitais, como Goiânia, São Luís e Vitória, dizem que os problemas de estoque foram resolvidos, mas a cobertura vacinal também é baixa.

— Não dá para contar apenas com a imunidade de quem teve a doença. Hoje sabemos que a melhor resposta imune é a chamada proteção híbrida: doença natural mais vacina. E as crianças praticamente não foram vacinadas —afirma a infectologista Rosana Richtmann, do Instituto Emílio Ribas, em São Paulo.

Hesitação e Segurança

O esquema de vacinação de crianças de 6 meses a 4 anos, lembra ela, é diferente do de adultos, com uma quantidade bem menor de antígeno, responsável por reagir com os anticorpos e ajudar na resposta do nosso sistema imune.

— O imunizante da Pfizer para adultos tem 30 microgramas de antígeno por dose. A Pfizer baby tem 3. É uma vacina segura, aplicada em três doses —explica a infectologista.

Em entrevista recente ao GLOBO, o novo diretor do Departamento de Imunização e Doenças Imunopreveníveis do Ministério da Saúde, o infectologista Éder Gatti, garantiu que há doses suficientes, e que agora é preciso estimular a população a se vacinar. Atual gestor do Programa Nacional de Imunização (PNI), ele não soube dizer qual o quantitativo de doses necessário para encerrar de vez o gargalo na vacinação dos pequenos. Isso depende, explica, do ritmo de vacinação de cada lugar, para evitar desperdício de aplicações.

— Houve um prejuízo, nos últimos anos, em relação à credibilidade das vacinas. Será algo difícil de recuperar. Tudo isso baseado em notícias mentirosas ou mal interpretadas. As pessoas replicaram dados sem o refinamento necessário para entendê-los. Agora, os pais estão hesitantes, mesmo que não sejam apoiadores políticos de quem descredibilizava a vacina. No consultório eles trazem dúvidas, inseguranças.

O desafio não é exclusividade brasileira. Nos Estados Unidos —onde proliferam grupos antivacina — a imunização também caminha a passos lentos, e não por falta de doses. Um levantamento da The Henry J. Kaiser Family Foundation mostrou que 43% dos pais definitivamente não vão vacinar seus filhos com menos de 5 anos. A total aceitação da vacina atingia 17% dos respondentes. Outros 27% diziam que devem esperar para ver se iriam vacinar ou não, e 13% só ofereceriam as injeções se fossem demandados pela escola ou creche. O dado foi colhido em junho de 2022, mas dá o tom da imunização claudicante do país até aqui.

Números como esses expõem a perigosa combinação entre baixa percepção de risco da doença e medo de eventos adversos da vacina. Mas a Covid não deve ser menosprezada, reforça a infectologista Rosana Richtmann:

— Pode somar meningite, pneumonia, diarreia. Nenhuma doença matou mais crianças no Brasil nos últimos dois anos do que a Covid.

A circulação de outros vírus respiratórios, como influenza e sincicial, amplia o alarme.

— Quanto mais vírus respiratórios circulando, maior é a dificuldade para o diagnóstico e o risco de gravidade para essas crianças —diz a pediatra Isabella Ballalai.