O Globo, n. 32694, 10/02/2023. Política, p. 4

Alerta no whatsapp

Aguirre Talento
Daniel Gullino
Mariana Muniz
Eduardo Gonçalves


O governador afastado do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), subestimou um alerta feito na véspera dos atos golpistas pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sobre o risco de invasão ao Congresso. Já durante os ataques, ao ser cobrado pela presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, ele afirmou que havia empregado todas as forças de segurança para impedir as investidas violentas. Em outra conversa, o emedebista tentou tranquilizar o ministro da Justiça, Flávio Dino, a quem depois pediu ajuda. Policiais escalados para comandar o esquema de proteção aos prédios públicos naquele dia admitiram em depoimento que o contingente não era suficiente para conter os invasores. Para a Polícia Federal (PF), não é possível dizer que Ibaneis agiu deliberadamente para permitir a ação dos extremistas.

As informações constam em trocas de mensagens extraídas do celular de Ibaneis, apreendido pela PF, em depoimentos prestados pelos PMs e em relatório da corporação. O governador foi afastado do posto por 90 dias por determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Ele é alvo do inquérito que investiga suspeitas de omissão e leniência de autoridades responsáveis por proteger o patrimônio público dos ataques de 8 de janeiro.

Rodrigo Pacheco enviou uma mensagem ao chefe do Executivo da capital às 20h do dia 7 para externar preocupação: “Estimado governador, boa noite! Polícia do Senado está um tanto apreensiva pelas notícias de mobilização e invasão ao Congresso. Pode nos ajudar nisso?”. O emedebista acalma o senador e rechaça a possibilidade de maiores transtornos: “Já estamos mobilizados. Não teremos problemas. Coloquei toda a força nas ruas”, respondeu Ibaneis, quatro minutos mais tarde.

Aproximadamente 19 horas depois, milhares de simpatizantes radicais do ex-presidente Jair Bolsonaro romperam sem dificuldades as barreiras montadas pela PM, invadiram e depredaram Congresso, Supremo e Palácio do Planalto.

Secretário de férias

Naquele momento, foi a vez de Rosa Weber acionar o governador. Numa mensagem disparada às 16h25min do dia 8, ela exclamou: “Já entraram no Congresso!”. Na sequência, a ministra justifica por que procurou o interlocutor. “O Secretário de Segurança do DF está de férias, por isso o contato direto com o senhor”. Ibaneis respondeu que estava “cuidando” da situação e reitera que havia colocado “todas as forças de segurança nas ruas”. Na sequência, ele compartilha o contato do secretário de Segurança em exercício, Fernando Oliveira. Rosa agradece.

Como pontuou a ministra, o então secretário de Segurança da capital, Anderson Torres, não estava em Brasília quando os golpistas invadiram os prédios dos três Poderes. Ele havia viajado para os Estados Unidos e, dias depois, acabou sendo preso por suspeita de omissão. O telefone de Ibaneis mostra, contudo, que o governador conversou com seu secretário no dia 7. A PF identificou que Torres acionou um recurso no aplicativo de bate-papo para que as mensagens sumissem automaticamente em 24 horas. Além disso, os investigadores verificaram que eles se falaram numa rápida ligação. Em seguida, Torres enviou a Ibaneis o contato do secretário de Segurança em exercício.

“A análise do celular de Ibaneis revelou que houve uma ligação por voz no aplicativo entre o governador e Anderson Torres, às 13h42 do dia 07/01, com duração de 38 segundos”.

Já nas primeiras horas de 8 de janeiro, Ibaneis trocou mensagens com Dino, que pediu informações sobre o esquema de segurança. “Governador, não entendi bem: qual será a sua orientação para a Polícia do DF? Onde será o ponto de bloqueio e de que forma?”, escreve o ministro, à 0h30min. Ibaneis responde: “Situação tranquila, no momento”. Às 16h05min, quando os ataques já estavam em curso, Dino tenta telefonar para Ibaneis, sem sucesso. Quarenta minutos depois, o governador muda o tom e pede ajuda: “Vamos precisar do Exército”.

O relatório da PF sobre o conteúdo do telefone de Ibaneis sustenta que ele não foi permissivo com as invasões. Segundo o documento, “pela análise da mídia disponível”, a investigação não revelou atos comprometedores do governador, como “mudar planejamento, desfazer ordens de autoridades das forças de segurança, omitir informações a autoridades superiores ou impedir a repressão”. Em nota, a defesa de Ibaneis disse que pediu a reversão do afastamento do cargo, pois as provas produzidas na investigação “indicam que ele não se omitiu e, tampouco, foi conivente”.

Contingente insuficiente

Policiais que participaram do esquema de segurança montado no dia 8 deram uma versão diferente da apresentada pelo governador afastado aos presidentes do Congresso e do Supremo. Quatro deles relataram problemas como falhas na inteligência, no preparo do efetivo e munição química incompatível com a proporção das manifestações. O coronel Jorge Eduardo Naime, que era chefe do departamento operacional da PM e também foi preso, citou um “apagão total da inteligência” em seu depoimento.

Já o major Flávio Silvestre de Alencar, que comandava os agentes no momento do ato, afirmou que o número de policiais “não era o suficiente” para conter todos os manifestantes. Naquele dia, ele estava como comandante em exercício do 6º Batalhão, que atua na Esplanada dos Ministérios. À PF, o próprio Alencar relatou ter achado “muito estranho ter sido convocado” para chefiar a tropa, já que, por ser major, “comumente comanda o efetivo em manifestações pequenas, por exemplo de estudantes” Segundo ele, as grandes ocorrências ficam a cargo ficam a cargo de coronéis e tenentes-coronéis.

O major também afirmou que se tivesse informação a respeito da “radicalidade dos manifestantes, o efetivo de policiais teria que ser superior”. Alencar acrescentou que, dos 311 policiais que estavam sob seu comando, “cerca de 178 eram oriundos do curso de formação, ou seja, sem qualquer experiência de campo”.