O Globo, n. 32692, 08/02/2023. Economia, p. 11

Escalada de críticas aos juros

Alice Cravo
Fernanda Trisotto
Manoel Ventura
Letycia Cardoso


Em um novo capítulo em sua cruzada contra os juros e a gestão de Roberto Campos Neto à frente do Banco Central (BC), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cobrou que seus ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento) — que compõem com Campos Neto o Conselho Monetário Nacional (CMN), que estabelece a meta da inflação e pode pedir ao Senado a troca no comando da autoridade monetária — estejam atentos à atuação do presidente do BC. Na sequência, argumentou que os senadores podem trocar o comando da autarquia. Apesar da nova escalada, Haddad atuou para distensionar o ambiente, enquanto senadores de diversos partidos não veem “clima” para uma troca no comando do BC, e o mercado defendeu a autonomia do órgão.

— Eu acho que esse cidadão que foi indicado pelo Senado tem a possibilidade de maturar, de pensar e saber como é que vai cuidar deste país, porque ele tem muita responsabilidade. Ele tem mais responsabilidade do que (Henrique) Meirelles tinha no meu tempo. Naquele tempo, era fácil jogar a culpa no presidente da República. Agora não. A culpa é do Banco Central. Agora é o Senado que pode trocar o presidente do BC — afirmou Lula em café da manhã com jornalistas.

Antes disso, Campos Neto havia defendido, em uma palestra, a autonomia do BC:

— A principal razão da autonomia do Banco Central é desconectar a política monetária do ciclo político. Porque eles têm clientes e interesses distintos. Quanto mais independente você é, mais eficaz você é, menos o país pagará em termos de custo de ineficiência da política monetária.

Campos Neto tem mandato até o fim de 2024. Lula voltou a criticar a manutenção da taxa Selic a 13,75% ao ano, decidida na semana passada:

— Não é possível que a gente queira que esse país volte a crescer com uma taxa de juros de 13,75%. Nós não temos inflação de demanda, é só isso.

Lula afirmou ainda que teve pouco contato com Campos Neto, indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, mas parte do “pressuposto de que as pessoas são de boa-fé”. E disse esperar que seus ministros que integram o CMN acompanhem a atuação do BC.

Morde e assopra

Na segunda-feira, na posse de Aloizio Mercadante no BNDES, Lula já havia cobrado um posicionamento da classe empresarial contra os juros altos. Ontem, ampliou sua atuação em dois agentes que podem, de fato, criar embaraços para a atuação de Campos Neto: o CMN e o Senado.

Mas a posição de Lula está longe de ser consenso no governo. As críticas ocorreram no mesmo dia em que Haddad classificou a ata do Copom de “mais amigável”

(leia mais na página 12). E, segundo integrantes da equipe econômica, o governo não deve endossar, neste momento, movimentos feitos por parlamentares da base para convidar Campos Neto a falar ao Congresso. A avaliação de líderes governistas é a de que é preciso haver um fato concreto para ensejar uma convocação — sem isso, a crise poderia se agravar.

No Senado, novo palco do embate, a avaliação é que não há clima para a troca do presidente do BC ou mudança na regra da autonomia da autarquia.

— É preciso desarmar essa bomba (juros altos), e isso passa pela harmonização das políticas fiscal e monetária, e não por choques institucionais —afirmou o senador Fabiano Contarato (PT-ES), líder do partido. —Creio que o Senado não embarcaria nessa hostilidade por uma razão muito simples: o presidente Lula é um homem de diálogo.

Renan Calheiros (MDBAL) defendeu que as partes busquem consenso:

— É muito importante encontrar um denominador comum e ver como aproximar essas posições. A independência (do BC) tem que ser exercitada antes de revogada, se for o caso. Eu defendi a independência do BC.

Parlamentares da base governista já se articulam para aumentar a pressão contra Campos Neto. O deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) protocolou ontem um requerimento de convocação para que Campos Neto preste esclarecimentos sobre a condução da política monetária.

— O Campos Neto é um infiltrado no governo Lula —disse o deputado Guilherme Boulos (Psol-SP).

Escalada nas investidas

O embate entre Lula e o BC afetou o mercado brasileiro. Mesmo antes de as declarações de ontem do presidente virem a público, já pesavam as da véspera. O Ibovespa fechou em queda de 0,82%, aos 107.829 pontos. Já o dólar subiu 0,51%, a R$ 5,1991.

Para Jansen Costa, sóciofundador da Fatorial Investimentos, as declarações de Lula podem “aumentar os juros futuros e criar mais instabilidade no país.” A taxa DI com vencimento em janeiro de 2026 passou de 13,070% para 13,115%.

Marcus Labarthe, sóciofundador da GT Capital, vê uma escalada nas investidas contra Campos Neto:

— Ainda que Haddad tente apaziguar os ânimos, palavras ditas não podem voltar... Lula parece cada vez mais, em seus discursos, dar avisos que o mercado entende como futura mudança de Campos Neto ou mesmo retirada da independência do BC.

Já Gabriel Meira, sócio da Valor Investimentos, não vê chances reais de troca no BC:

— Vai exigir um capital político muito grande.