O Globo, n. 32691, 07/02/2023. Economia, p. 12

Mercadante promete não repetir BNDES do passado

Carolina Nalin
Letycia Cardoso


Em uma cerimônia de posse com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de dez ministros, presidentes de bancos públicos e estatais, representantes do Supremo Tribunal Federal (STF), político, empresários e até do compositor Chico Buarque, o ex-ministro Aloizio Mercadante assumiu o comando do banco de fomento com a promessa de se distanciar do BNDES do passado. Ele disse estar interessado em discutir o “BNDES do futuro”. Em seu discurso, indicou quais devem ser algumas das diretrizes no atual governo, como foco em reindustrialização, visão estratégica de longo prazo, facilitação a exportações de serviços a partir de um Eximbank, além da revisão da Taxa de Longo Prazo (TLP), usada nos financiamentos do banco.

— Não estamos aqui para debater o BNDES do passado, mas o do futuro, que será verde, inclusivo, tecnológico, digital e modernizante — disse Mercadante.

O novo presidente do banco não detalhou como seria a mudança na TLP, mas disse que o banco não quer reivindicar “o modelo de subsídios do passado”:

— Atualmente, a TLP apresenta enorme volatilidade e tem custo acima da dívida pública federal, o que prejudica micro e pequenas empresas.

Já o presidente Lula relembrou o papel do BNDES em governos do PT, elogiando sua função de indutor do desenvolvimento econômico. E fez críticas à mudança de escopo do banco nos governos seguintes:

— Por que acabaram com a TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo, que era subsidiada, adotada pelo banco antes da TLP)? Para que não tivesse financiamento de longo prazo? Por que o BNDES deixou de ser um grande indutor de desenvolvimento e passou a financiar o governo? — afirmou Lula, em referência à devolução de recursos do banco ao Tesouro.

Lula rechaçou críticas de que o banco não teria sido transparente no passado e disse que “o BNDES nunca foi caixa-preta”:

— Esse banco foi vítima de muita mentira. O banco teve que gastar R$ 48 milhões em auditoria externa, e nada foi encontrado.

Aceno ao empresariado

Lula ainda negou ter “dado dinheiro a países amigos do governo”, alegando ter financiado serviço de engenharia de empresas brasileiras em 15 países da América Latina e do Caribe. Em seguida, o presidente culpou governos anteriores por calotes. Cuba deve US$ 400 milhões, e a Venezuela, US$ 123 milhões, segundo o BNDES:

— Os países que não pagaram, seja Cuba, seja Venezuela, é porque o presidente (Bolsonaro) resolveu cortar relações com esses países e, para ficar nos acusando, deixou de cobrar. Tenho certeza de que, no nosso governo, esses países vão pagar.

Já Mercadante, em aceno ao empresariado, disse que um banco de desenvolvimento precisa de visão estratégica que não contemple só o setor de agrícolas:

— O Brasil não pode ser só a fazenda do mundo. Produtos industriais de alto valor agregado são essenciais para o desenvolvimento do país. Essa é uma pauta fundamental para o futuro do BNDES, precisamos ganhar escala e integrar as cadeias de valor.

Entre empresários, esteve o presidente da Fiesp, Josué Gomes. Mercadante se dirigiu a ele no seu discurso:

— É muito bom tê-lo à frente da Fiesp.

A indicação de Mercadante ao cargo foi recebida com cautela pelo mercado financeiro em dezembro, quando Lula anunciou o nome. Ele já havia feito críticas à TLP, em vigor desde 2018. O temor entre analistas de mercado era que a escolha de Mercadante para o comando do banco significasse uma volta a políticas como a de “campeãs nacionais”, com apoio, por meio de empréstimos bilionários, a grandes empresas em setores estratégicos.

Estágio para negros

Mercadante destacou o desafio de liderar o BNDES com a necessidade de financiar a transição energética. Ele defendeu aumentar a oferta de crédito a micro e pequenas empresas e citou o desejo de o banco passar a integrar a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban). Mencionou ainda preocupações com a Amazônia e a aceleração da digitalização de escolas públicas.

Para Mercadante, os compromissos do “BNDES do futuro” incluem a agenda de enfrentamento da desigualdade racial, com linhas de crédito que empoderem mulheres e negros. E afirmou que “mulheres e negros vão fazer parte da história do BNDES”.

Ele anunciou ainda um programa de estágio exclusivo para pessoas negras e concursos com cotas raciais. Mercadante pretende também lançar uma linha de crédito especial para mulheres:

— O compromisso com a igualdade de gênero e racial não será só da porta para fora, mas para dentro.

Lula foi acompanhado da primeira-dama, Janja. Também compareceram o prefeito do Rio, Eduardo Paes; o governador do Rio, Cláudio Castro; o presidente do Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas; o ministro do STF Gilmar Mendes; a ex-presidente Dilma Rousseff; e os ministros da Igualdade Racial, Anielle Franco; do Meio Ambiente, Marina Silva; da Casa Civil, Rui Costa; da Educação, Camilo Santana; da Secretaria de Comunicação, Paulo Teixeira; do Desenvolvimento Social, Wellington Dias; da Gestão e Inovação, Esther Dweck; da Ciência e Tecnologia, Luciana Santos; de Portos e Aeroportos, Márcio França; e do Turismo, Daniela Carneiro.

Também estiveram na posse os presidentes da Petrobras, Jean Paul Prates; e do Banco do Brasil, Tarciana Medeiros; além do economista André Lara Resende.