O Globo, n. 32691, 07/02/2023. Economia, p. 11

Artilharia contra o BC

Letycia Cardoso
Carolina Nalin
Sérgio Roxo
Jeniffer Gularte
Geralda Doca
Fernada Trisotto


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva usou seu discurso na posse do novo presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, para subir o tom nas críticas ao patamar atual dos juros. O tema é recorrente no discurso do presidente, mas ganhou outra proporção depois que o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu na semana passada manter a Taxa Selic em 13,75% ao ano, citando preocupações com a política fiscal na ata da reunião. Após a divulgação do documento, parte do mercado já vê risco de que os juros permaneçam no patamar atual até o fim do ano.

— Não existe justificativa nenhuma para que a taxa de juros esteja em 13,5% (a Selic está em 13,75% ao ano). É só ver a carta do Copom para a gente saber que é uma vergonha esse aumento de juro — afirmou Lula.

Em discurso a uma plateia lotada de ministros, políticos, autoridades e empresários, Lula fez ataques diretos à autonomia do Banco Central.

— Como vou pedir que os empresários ligados à Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) invistam se eles não conseguem tomar dinheiro emprestado? Esse país tem cultura de viver com juros altos. Se a classe empresarial não se manifestar, eles não vão baixar juros — disse Lula. —Quando o Banco Central era dependente de mim, todo mundo reclamava. A taxa a 10% era muito.

Enquanto o presidente reforça os ataques à autonomia do BC e ao comportamento dos juros, as projeções do mercado têm piorado. No último boletim Focus, a previsão para inflação subiu pela oitava semana (leia mais no texto abaixo).

Camisa amarela e whatsapp

Segundo aliados do presidente, a artilharia verbal é fruto da irritação com o presidente do BC, Roberto Campos Neto, e de uma estratégia para tentar pressionar a instituição a baixar a Selic nos próximos meses. Segundo interlocutores de Lula, o objetivo não é pressionar Campos Neto a pedir demissão. O mandato dele no cargo vai até o fim de 2024. O que o governo pretende é convencê-lo a adotar uma gestão mais focada no crescimento e também que ele diminua o alinhamento externo ao bolsonarismo.

Segundo aliados do presidente, a artilharia verbal é fruto da irritação com o presidente do BC, Roberto Campos Neto, e de uma estratégia para tentar pressionar a instituição a baixar a Selic nos próximos meses. Segundo interlocutores de Lula, o objetivo não é pressionar Campos Neto a pedir demissão. O mandato dele no cargo vai até o fim de 2024. O que o governo pretende é convencê-lo a adotar uma gestão mais focada no crescimento e também que ele diminua o alinhamento externo ao bolsonarismo.

A irritação de Lula com Campos Neto surgiu após a divulgação da informação de que ele participava, pelo menos até o começo de janeiro, de um grupo de WhatsApp com o nome formado por ex-ministros do governo Bolsonaro.

Além do aspecto econômico, com a manutenção de juros altos em um momento de perda de fôlego da economia, com dificuldades de acesso a crédito, o presidente vê “derrapadas” de Campos Neto. Nessa lista, estariam o fato de o presidente do BC ter ido votar de camisa amarela, ter comparecido à posse do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e ter continuado no grupo de WhatsApp de Bolsonaro. Nas palavras de um assessor do presidente, a autonomia do BC está dada, mas Campos Neto também precisaria mostrar para a sociedade que é independente, sem ligação político-partidária. Por enquanto a ideia é buscar maior diálogo.

Apesar de ter dito na semana passada que ao fim do mandato de Campos Neto avaliaria o que significou para o país contar com um Banco Central autônomo, não há, segundo interlocutores, intenção de mexer nisso. A intenção, ao criticar publicamente a ação do banco, seria pautar o assunto e incentivar a cobrança da sociedade aos juros, especialmente do empresariado.

Ontem, Lula defendeu o incentivo público para que a economia volte a crescer:

— A sociedade brasileira precisa compreender que a iniciativa privada precisa voltar a investir. E só vai fazer se tiver demanda ou se o poder público incentivar.

Nos bastidores, parte dos integrantes do governo avalia que os ataques diretos não devem surtir o efeito esperado. Mas aliados saíram em defesa do presidente, como o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA):

— O presidente está dizendo o que a maioria dos brasileiros acha: os juros no Brasil, do jeito que estão, são inibidores de investimento produtivo, de geração de emprego.

Mercado apreensivo

Wagner reiterou que o presidente não tem planos de interferir na autonomia do BC:

— Ele não pretende desrespeitar nem o mandato, nem a autonomia do Banco Central. Não é esse o debate que está em curso.

Para Felipe Salto, economista-chefe e sócio da corretora Warren, para que a taxa de juros seja mais baixa é preciso que as contas públicas estejam organizadas, com sinais de que a expectativa da dívida será sustentável ao longo do tempo.

— As declarações de Lula sobre o Banco Central são preocupantes. O presidente tem direito de falar o que bem entender, mas isso afeta muito a dinâmica do mercado, o preço dos ativos e os próprios juros dos títulos públicos. É preciso saber se haverá preservação do modelo de autonomia, isso deixa o mercado apreensivo. Por enquanto, a equipe econômica tem mantido uma linha positiva. O BC tem um papel fundamental do ponto de vista de credibilidade da política econômica e afeta o quadro fiscal. A taxa de juros afeta o custo da dívida, mas também a economia.

Alexandre Padilha, ministro de Relações Institucionais, disse que não discutiu com Lula a indicação dos diretores do Banco Central, mas frisou que a prerrogativa de indicação é do Executivo, e não de Campos Neto:

— A lei, a prerrogativa, é do presidente da República. Não só para o Banco Central, mas para qualquer outra agência. É prerrogativa do presidente indicar um nome para o Congresso Nacional. O presidente Lula vai seguir extremamente o que está na lei.