O Estado de S. Paulo, n. 46729, 25/09/2021. Economia, p. B2

O perigo vem da China

José Márcio Camargo


O desempenho recente da economia chinesa preocupa. Três fatores estão no horizonte das preocupações. Primeiro, a forte desaceleração da atividade econômica que teve início no segundo trimestre de 2021 e pode se agravar nos próximos meses. Segundo, as intervenções do governo nos mercados de educação privada e das grandes empresas de tecnologia (Alibaba, Didi, etc.) e, terceiro, a crise de liquidez da segunda maior incorporadora imobiliária do país, a Evergrande. Tomemos cada um destes fatores.

Entre maio e agosto, a taxa de crescimento do produto industrial da China caiu de 8,8% para 5,3% ao ano, as vendas no varejo desaceleraram de 12,4% para 2,5% ao ano, enquanto o investimento em ativos fixos passou de crescimento de 14,4% para 8,9% ao ano. Na margem, o setor industrial saiu de uma taxa de crescimento de 0,53% entre maio e abril, para 0,31% entre julho e agosto, enquanto as vendas no varejo desaceleraram de 0,65% para 0,17% ao mês, no mesmo período.

Além da forte desaceleração, as expectativas dos agentes quanto ao comportamento futuro da economia, conforme medidas pelos índices PMI, atingiram patamares abaixo dos 50 pontos, nível abaixo do qual indica recessão. O PMI do setor industrial caiu de 52,0 pt para 49,2 pt, enquanto o PMI do setor de serviços saiu de 55,1 pt para 46,7 pt Em ambos os casos as expectativas eram mais elevadas, respectivamente 50,2 pt e 52,2 pt.

O segundo fator que preocupa são as intervenções do governo na regulação dos mercados de educação com fins lucrativos e das empresas de tecnologia. Segundo analistas, as intervenções no mercado de educação privado e das big techs têm por objetivo reduzir o poder de mercado destas instituições e, desta forma, diminuir o custo da educação no país, um dos principais componentes do custo de vida das famílias chinesas. O objetivo final é criar incentivos para aumentar a taxa de crescimento da população, que está em rápido processo de envelhecimento depois de décadas da política do filho único. Segundo o governo chinês, o elevado custo da educação é um dos principais desincentivos ao aumento do número de filhos. Entretanto, a intervenção, ao aumentar o controle do Estado sobre estes setores, gera queda adicional do investimento e do crescimento da economia.

Finalmente, a questão da iminente falência da Evergrande, a segunda maior incorporadora imobiliária do país, é particularmente preocupante. O setor imobiliário chinês representa 25% do PIB do país. Como é um setor muito alavancado, as informações disponíveis indicam que pelo menos mais 10 empresas imobiliárias estão em situação similar à da Evergrande, ou seja, com dificuldade de honrar seus compromissos financeiros no curto prazo. As estimativas dão conta de que os ativos imobiliários são o principal colateral das famílias e que aproximadamente 20% dos ativos bancários estão expostos direta ou indiretamente ao setor.

A Evergrande tem US$ 300 bilhões em dívidas e não conseguiu honrar o pagamento de juros de US$ 70 milhões que venceu na semana passada. Uma possibilidade que tem sido discutida entre os analistas é o governo intervir na empresa, estatizá-la e dividi-la em três ou quatro empresas menores. Além disso, será importante proteger os fornecedores e os credores domésticos do setor real da economia, os compradores de imóveis. Como as propriedades imobiliárias correspondem a aproximadamente 70% da riqueza das famílias, será importante proteger os compradores para evitar perda substancial de riqueza e desaceleração adicional da economia.

Com a iminência de um calote, os mercados financeiros reagiram com quedas expressivas por causa do temor de contaminação dos bancos internacionais que poderia gerar uma crise financeira global similar à deflagrada pela quebra do Lehman Brothers em 2008.

Professor Titular Do Departamento de Economia da PUC/Rio (Aposentado), é Economista-Chefe da Genial Investimentos