O Estado de São Paulo, n. 46762, 28/10/2021. Política p.A10

 

Congresso planeja aumento bilionário para emendas sem transparência

 

Breno Pires

Daniel Weterman

 

Investigadas por mais de um órgão de controle, as emendas parlamentares devem receber ainda mais dinheiro no Orçamento de 2022, ano de eleição. Deputados e senadores articulam uma espécie de “trem da alegria”, com o objetivo de aumentar os valores que podem receber do governo para enviar a seus redutos eleitorais. Essa distribuição ocorre por dois caminhos: a chamada emenda de relator (RP9), âncora do orçamento secreto, e por meio da ampliação das transferências tipo “cheque em branco”, nas quais prefeitos e governadores podem usar o dinheiro livremente, sem precisar prestar contas ao Tribunal de Contas da União (TCU).

Como o Estadão mostrou ontem, parlamentares querem usar a possibilidade de estouro do teto de gastos – regra que impede o governo de aumentar despesas além da inflação – para destinar R$ 16 bilhões às suas bases, por meio de emendas de relator. Por esse modelo, o dinheiro é enviado a prefeituras e governos estaduais indicados por congressistas sem critérios claros. O formato de repasse, criado em 2019 pelo governo Bolsonaro, permite o “toma lá, dá cá”, uma vez que o Planalto troca emendas por apoio no Congresso.

Em outra frente, deputados e senadores pretendem ampliar o valor enviado a seus redutos por intermédio das chamadas transferências especiais, batizadas no Congresso de “emendas cheque em branco” ou “PIX orçamentário”. O mecanismo é mais uma forma nebulosa de parlamentares destinarem recursos públicos para suas bases. A prática permite que as emendas sejam aprovadas no Orçamento da União sem detalhamento de como o dinheiro será aplicado.

 

LIMITE. A transferência direta só é permitida nas emendas individuais, limitadas a R$ 16 milhões por parlamentar. Uma proposta aprovada em julho na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), vetada depois por Bolsonaro, autoriza que o mecanismo também seja usado nas emendas de bancadas.

Além da derrubada do veto, parlamentares devem aprovar uma medida que permite fracionar essas emendas. Com isso, os congressistas terão mais R$ 5,7 bilhões para incluir no “cheque em branco” que pretendem enviar a prefeitos e governadores aliados.

A possibilidade de ampliar as transferências diretas preocupa técnicos do Congresso, que recomendaram aos parlamentares a manutenção do veto de Bolsonaro. O secretário especial da Presidência Bruno Grossi também já demonstrou preocupação. “Infelizmente, a gente teve um fator não desejável nesses processos, que foi a perda de transparência em torno das emendas individuais por meio das transferências especiais”, disse Grossi.

Os dois movimentos – o que aumenta o montante de emendas e o que as torna menos transparentes – ocorrem no momento em que o próprio governo admite a existência de um “feirão de emendas” no Congresso. O Estadão revelou que pelo menos três deputados e um senador são investigados pela Polícia Federal sob suspeita de cobrar comissão para destinar recursos a uma determinada prefeitura.

 

PRECATÓRIOS. Com a chave do cofre das emendas de relator, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-al), tem condicionado a ampliação dos recursos à aprovação da PEC dos Precatórios, que limita o pagamento de dívidas judiciais e altera a forma de cálculo do teto de gastos. A intenção é abrir espaço no Orçamento para o novo programa social do governo, o Auxílio Brasil.

A medida, porém, proporciona um “espaço extra” de R$ 83,6 bilhões no Orçamento no qual daria para encaixar o novo Bolsa Família e as emendas de relator. Sobraria dinheiro, ainda, para um fundo eleitoral mais gordo.

“Agora articula-se utilizar a folga de orçamento para alimentar interesses de bases eleitorais através das emendas de relator. Irresponsabilidade fiscal para fins eleitorais”, disse a deputada Adriana Ventura (Novo-sp). Para o deputado Danilo Forte (PSB-CE), aumentar os gastos no Orçamento para contemplar interesses eleitorais de parlamentares é uma “afronta” à situação do País. Procurado, Arthur Lira não se manifestou até a conclusão desta edição. 

 

Articula-se utilizar a folga de orçamento para alimentar bases. Irresponsabilidade fiscal para fins eleitorais.”

Adriana Ventura

(Novo-SP) Deputada

 

Modalidades de repasses

• Emenda individual

São indicações que cada deputado ou senador tem direito de fazer no Orçamento. Desde 2015, o governo federal é obrigado a executar tais despesas. Cada parlamentar pode indicar R$ 16 milhões.

 

• Emenda de bancada

Parlamentares também têm direito de fazer indicações com a bancada de seus Estados. Cada uma das 27 bancadas pode definir como o governo deve gastar R$ 213 milhões em obras e serviços.

 

• Emenda de relator

Permite ao relator-geral do Orçamento definir onde serão alocados recursos, além das emendas individuais e de bancada. É o mecanismo usado pelo governo no orçamento secreto, com a liberação de recursos sem transparência e critérios técnicos.

 

• Transferência especial

Chamada de "emenda cheque em branco", essa modalidade é um mecanismo de transferência de emendas individuais sem que o parlamentar tenha de definir projetos e detalhar como devem ser usados os recursos.