O Estado de S. Paulo, n. 46729, 25/09/2021. Política, p. A6

Cenário: Bolsonaro simbolizou 'trumpismo' sem Trump na ONU

Beatriz Bulla


Jair Bolsonaro subiu ao palco da 76ª Assembleia-geral da Organização das Nações Unidas para repetir parte do projeto bolsonarista que apresentou ao mundo em 2019. Mas, desta vez, o presidente brasileiro chocou menos os líderes internacionais. Até porque eles já conhecem Bolsonaro e não esperam que o brasileiro assuma outra persona no curso de um só mandato. Também porque enxergam a próxima eleição brasileira pela janela e não acham que valha a pena se desgastar com um presidente que pode estar com os dias contados. Por último, porque o cenário internacional mudou e restou ao presidente do Brasil representar um “trumpismo sem Trump”, como definiu um chefe de Estado. E, sem Trump, acham que até o orgulhoso “Trump dos trópicos” precisou se adaptar.

Ele estava na crista da onda mundial em 2019. Podia – pois tinha respaldo no discurso que viria logo após ao seu – ser puramente o populista de direita, anti-instituições e anti-multilateralismo na abertura do encontro anual da ONU. Com Joe Biden no comando da Casa Branca, precisou assumir, por exemplo, que é possível reduzir o desmatamento na Amazônia com maior fiscalização ambiental. É algo que não caberia no discurso de 2019, no qual ele culpou os indígenas pelas queimadas na floresta.

Se tirar cinco ou seis parágrafos do ‘estilo Bolsonaro’ conseguimos ver a volta do Itamaraty no discurso, diz o mesmo chefe de Estado, que não quer ser identificado. Se limpar o apelo à base, diz, é possível ouvir a fala em um tom mais baixo do que o de 2019.

Para o diplomata de outra delegação estrangeira, não surpreende escutar Bolsonaro atacar o socialismo, se apresentar como um conservador ou defender a cloroquina. Desta vez, segundo a mesma fonte, ao menos ele não se envolveu em ataques diretos a uma outra nação, como aconteceu com o francês Emmanuel Macron, há dois anos.

Até saber o desfecho da disputa de 2022, os países dizem querer trabalhar com Bolsonaro apesar de Bolsonaro. Sem Ernesto Araújo no Itamaraty, segundo eles, esse trabalho é um pouco mais fácil. Quando terminou seu discurso, o presidente brasileiro desceu do palco e sentou-se no plenário para ouvir Joe Biden. Por mais de 30 minutos, escutou o americano defender o multilateralismo, as soluções diplomáticas e a democracia. Ele sabe que o vento mudou. E, nesta nova brisa, parece que o bolsonarismo é levado ainda menos a sério entre os líderes mundiais.

Correspondente do Estadão em Washington