O Globo, n. 32688, 04/02/2023. Política, p. 4

'Operação tabajara'

Daniel Gullino
Mariana Muniz
Lauriberto Pompeu
Patrik Camporez
Vera Magalhães
Gian Amato


O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a abertura de uma investigação sobre as acusações feitas pelo senador Marcos Do Val (Podemos-ES) de que o ex-presidente Jair Bolsonaro participou de um plano golpista para invalidar o resultados das eleições. O magistrado, que classificou a suposta investida como uma “operação tabajara”, ordenou que sejam apuradas suspeitas de que o parlamentar, que mudou de versão em diferentes ocasiões ao narrar a história, cometeu crimes de falso testemunho, denunciação caluniosa e coação.

Moraes afirmou no despacho que Marcos Do Val caiu em inúmeras contradições desde que começou a fazer os primeiros relatos sobre o episódio. “O senador apresentou, à Polícia Federal, uma quarta versão dos fatos por ele divulgados, todas entre si antagônicas, de modo que se verifica a pertinência e necessidade de diligências para o seu completo esclarecimento”, escreveu o ministro.

O plano relatado pelo senador envolveria o próprio Alexandre de Moraes, que também preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ele seria alvo uma emboscada, segundo Do Val. O parlamentar afirma que, numa reunião com o ex-presidente e o ex-deputado Daniel Silveira, foi incumbido de marcar um encontro com o magistrado e gravar a conversa na tentativa de induzi-lo a admitir que tenha cometido irregularidades nos processos que comanda. Do Val conta que se encontrou com Bolsonaro e Silveira três dias antes da diplomação de Luiz Inácio Lula da Silva. No primeiro momento, ele disse que a reunião se deu no Palácio da Alvorada. Depois, ele mudou a versão duas vezes e afirmou não se lembrar se havia ocorrido no Palácio Jaburu ou na Granja do Torto, outros endereços da Presidência. De acordo com o senador, Silveira sugeriu que ele agendasse audiência com o ministro e gravasse a conversa.

Do Val diz ainda que recusou a missão e contou o plano para Alexandre de Moraes. Na ocasião, segundo o próprio ministro, o senador foi questionado se estaria disposto a oficializar a denúncia num depoimento, mas ele não aceitou.

O magistrado está em Lisboa para participar de um seminário. Durante o evento, ele criticou o suposto plano. —É essa exatamente a operação tabajara que mostra o ridículo a que chegamos na tentativa de um golpe de Estado no Brasil. Tudo isso está sendo investigado pela Polícia Federal — disse o ministro, em referência a um quadro do programa “Casseta &Planeta”, exibido pela TV Globo entre 1992 e 2010. Presente ao mesmo encontro, outro ministro do STF, Gilmar Mendes, afirmou que o episódio ilustra o nível baixo da política atual:

— O que mostra é que a gente estava sendo governado por uma gente do porão. Como descemos na escala das degradações. Como a política desceu.

Assim como ocorreu em relação ao local da reunião, Do Val apresentou diferentes versões a respeito da participação de Bolsonaro. Ele primeiro disse que o ex-presidente participou ativamente da reunião e que tentou coagi-lo a dar um golpe. Mais adiante, porém, voltou atrás. Afirmou que Bolsonaro permaneceu a maior parte do tempo calado e que, ao fim da conversa, disse apenas que esperava Do Val responder se toparia ou não gravar Moraes. Dentro da Corte, o episódio está sendo tratado com cautela, em função do vaivém de declarações.

Sinais trocados

Para além dos relatos conflitantes, no aspecto político, o senador capixaba tem emitido sinais contraditórios tanto em relação a Bolsonaro quanto a Moraes. No primeiro momento, Do Val sinalizou que o ministro assumiu uma postura correta ao ser informado sobre os fatos. Ontem, porém, o parlamentar entrou com uma representação na ProcuradoriaGeral da República (PGR) pedindo que Moraes seja retirado da relatoria do processo em que as declarações serão apuradas, sob argumento de que o ministro também poderia ser investigado. Pela manhã, durante uma live, Do Val deu a entender que tentaria comprometer o magistrado — “nós vamos fazer com que ele recue”, disse.

Em outra passagem, acrescentou que está trabalhando pela instauração de uma CPI sobre os atos de 8 de janeiro, pleito de boa parte da atual oposição e movimento que o governo vem tentando desinflar. Para Do Val, a comissão seria uma oportunidade de tirar o sigilo de “documentos bombásticos”, que, na visão dele, revelariam a responsabilidade do Planalto no enredo. Um dia depois de implicar Bolsonaro nas denúncias que apresentou, o senador resolveu fazer um afago aos filhos do ex-presidente, ao dizer que tem gratidão pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), a quem chamou de “parceiraços”.

— Sobre Eduardo e Flávio Bolsonaro, eles demonstraram que estavam comigo, me apoiaram e falaram para eu não sair do mandato. Fui agradecer ao Flávio pessoalmente —disse em entrevista à CNN o senador que disse que deixaria o cargo, mas voltou atrás.